sexta-feira, 3 de maio de 2013

Sem botão, no tempo, no topo, no chão (parte 1)



Lá no comecinho dos anos 1990 comprei um CD player da Phillips na Mesbla e fui deixando de lado a vitrola com as centenas de discos de vinil que compunham um bom acervo de títulos, alguns meus, a maioria deles dos meus irmãos mais velhos. A travessia para o som digital aconteceu de maneira gradativa, meio desconfiada, até me converter de vez à modernidade quando a indústria fonográfica, por volta de 1995, deixou de produzir em grande escala os discos de acetato. A velha vitrola, abandonada no canto da sala, restou obsoleta, sem utilidade, logo doada a uma oficina de eletrônicos. Os LPs e compactos ficaram guardados na casa dos meus pais, no quarto dos fundos. Sem esperança, alguns discos tomaram rumo ignorado, partiram sem deixar vestígio, outros se mutilaram com arranhões fatais ou foram parcialmente devorados pela larica de fungos entorpecidos.

Ao longo dos anos fui acumulando CDs, os mais variados estilos, da MPB ao rock, do blues à lambada e ao encostelado zouk, do reggae ao clássico, do tambor de crioula ao samba, ao jazz. Frequentei promoções das Lojas Americanas, garimpei em viagens e comprei pela internet. Nunca fui um colecionador, do tipo que armazena selos, figurinhas e moedas para exibição. Não guardei música. Música é para ser apreciada todos os dias, sem moderação.

Acontece que o som digital, com suas invenções em mp3, mp4, aplicações para iPods e celulares, quebrou a hegemonia do CD e desencadeou essa praticidade de se ouvir música no banheiro, na cozinha, no carro, na academia, no avião, nas caminhadas, no trabalho. No varejo da internet, enquanto a música digital tem levado o CD ao tatame, alguns apreciadores da boa música começaram a fazer o caminho de volta ao vinil. No Brasil, há cerca de três anos a indústria se reanimou, discos antológicos estão sendo relançados em vinil e artistas e bandas passaram a gravar suas músicas também em LP.

O longplay completa uma série de artigos clássicos do século passado – além de roupas, automóveis, alguns eletrodomésticos etc. - que os tempos modernos elegeram como vintage. E esse flerte com o passado tem o seu preço. Via de regra são produtos ainda caros nas lojas. Na Livraria da Travessa, no Rio, ou na Livraria Cultura, em São Paulo, o novo longplay nacional custa em média oitenta reais.

Também comecei a fazer o caminho de volta. Há dois meses comprei no Mercado Livre uma pequena vitrola modelo Ion Quick Play e depois fui me reencontrar com o vinil. Voltei ao quarto dos fundos e revirei as prateleiras mofadas até me deparar com algumas raridades que jamais ouvi em CD. Tem sido uma experiência quase terapêutica, uma viagem no tempo prazerosa que exige paciência e antialérgicos nesse ritual de passagem.

Discos antigos, por mais bem guardados que estejam, absorvem a poeira dos anos. O sol e a poeira acumulada são os maiores vilões do LP. O primeiro passo foi lavar os discos com água e sabão, retirando na ponta dos dedos as pequenas crostas com o cuidado necessário para não molhar o rótulo de identificação do vinil. Depois comecei a ouvi-los um a um, faixa por faixa, até reconhecê-los, decifrá-los outra vez. Vieram também os presentes de amigos, alguém que tinha um LP sobrando em casa, um Elomar Figueira Mello encostado, um Ramones solitário na estante, um Pablo Milanés desgarrado no guarda-roupa.

Foi no bairro do João Paulo, porém, que me vi perdido em meio a tantos discos de vinil. Na loja Adriano Discos, um sebo localizado numa travessa da avenida São Marçal, há uma profusão de LPs para todos os gostos. Das trilhas sonoras de novelas da Globo às antologias de grupos de bumba-meu-boi do Maranhão, os discos estão espalhados em todos os cantos, do chão ao teto, alguns em bom estado, outros nem tanto. São aproximadamente 24 mil títulos, entre LPs e compactos simples, segundo conta o seu Adriano, um senhor simpático que há mais de 30 anos vive de vender e comprar discos de vinil. Um LP de Black Sabbath, Iron Maiden, ACDC, Deep Purple, Sex Pistols ou qualquer outro nome do rock custa dez reais. Os outros discos – isso mesmo, seu Adriano faz essa distinção mirabolante! – ficam em cinco reais cada.


Seu Adriano: sebo com mais de 24 mil discos de vinil

De tudo que juntei, entre os discos antigos recuperados, os presentes de amigos, alguns poucos novos comprados e a feira que fiz no sebo do seu Adriano, cada um tem a sua história. Ouvir um LP não é como ouvir um CD. O LP não tem aquele botão pra mudar de faixa, não há um controle remoto pra virar o disco de lado. Não basta sentar na poltrona. É preciso ficar ali perto da vitrola fitando os rótulos da Ariola, da Phillips, da RCA Victor, da Som Livre, da Copacabana, da Polydor. As rotações por minuto não tocam no som do carro.

O vinil é mais fiel, dizem os entendidos. O som, mais puro. É pra se ouvir em casa, sozinho ou em boa companhia, uma garrafa de vinho, contemplando as capas, folheando os encartes, o braço torto da vitrola alcançando a primeira faixa, a agulha em espiral beijando as milimétricas ranhuras do disco. A música mexe com o estado de espírito, faz imaginar. Se o disco está muito gasto, o chiado cria o seu próprio charme, a poesia inventada no atrito.

3 comentários:

  1. Olá, amigo. Você poderia informar o endereço do Adriano Discos ou telefone de contato, to procurando no google maps, mas não encontro a Av São Marçal.
    Abraços.

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  2. esqueci de perguntar, o sebo é em São Luis-MA, certo?

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  3. Teria algum contato ou endereço do sebo do Adriano amigo?

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