domingo, 31 de julho de 2016

Breve manual para náufragos urbanos



O maranhense Jozias Benedicto lançou recentemente na livraria Argumento, no Rio de Janeiro, o livro de contos “Como não aprender a nadar”, que leva o selo da editora carioca Apicuri. O livro reúne 21 contos escritos entre 2010 e 2014 e venceu o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura. “Como não aprender a nadar” é um mosaico de metáforas e sensações simbolizadas no elemento água. Não por acaso, piscinas costuram de ponta a ponta histórias instigantes de determinados conflitos humanos. O escritor é também artista visual e com essa obra de ficção faz o seu segundo mergulho no mar da literatura.

O texto de Jozias Benedicto tem o viço da novidade, da linguagem desgovernada, sem amarras. O autor passeia com liberdade pelas palavras para estender sobre águas azulejadas a sua tábua de resignações, pavores, reveses e superações. Sem fazer concessões, destila por mais de duzentas páginas um estilo leve de escrita, como quem conversa com um amigo na calçada da rotisseria. Não há pudor com regras de pontuação ou desfechos previsíveis.

A piscina, segundo Jozias, pode ser um mundo de coisas: o azul desconhecido, um pedaço recortado do mar, a normalidade represada, o útero materno, a pia batismal ou até mesmo um túmulo. O leque é amplo. “A piscina é como um lago profundo ou um oceano insondável”, diz ele a certa altura do livro. Os contos são encadeados como polaroides urbanas numa mistura envolvente de recorte textual do cotidiano e imagens relidas na tecnologia de um Mac, pelas mãos de Jozias.

No conto Aprender a nadar, em pouco mais de dez linhas o narrador recria a fantasia do medo das águas. Ainda criança, Jozias Benedicto teve aulas com Maria Emma Hulga Lenk, a mais importante atleta brasileira na natação. Desistiu do aprendizado logo nas primeiras aulas. Mas não perdeu de vista o rito do coração em disparada e as desafiadoras braçadas da campeã Maria Lenk, a quem a obra é dedicada.

Jozias Benedicto transforma o quadrante da piscina em labirinto esculpido na memória de seus narradores. Nadar é o exercício involuntário da solidão, seja do menino alumbrado na casa grande com piscina, seja do anjo afogado na amargura da mamãe coragem (Torquato Neto à espreita num canto de página), seja do homem maduro atormentado no alto do trampolim (como se deitado o narrador estivesse no divã laborioso de Clarice Lispector). Jorge Luís Borges, Oswald de Andrade, Jorge de Lima, Lêdo Ivo e Hilda Hilst são outras referências a quem Jozias recorre para ilustrar os seus elementos cognitivos.

Nadar pra não morrer na borda. O livro é uma espécie de antimanual de sobrevivência para afogamentos triviais. A piscina é só uma piscina, “fria como a vida”, mas também um mundo imaginário, pródigo em turbulências e saltos mortais. Os contos da obra, feito cacos de azulejo mal rejuntados no fundo da água, cortam. Ao fim de tudo, Jozias Benedicto solta o alerta sutil: é tudo ficção! Mas não será em vão se o leitor – e o próprio autor, por descuido – se reconhecer em algumas dessas raias do destino cantadas no livro. Escrever é como nadar com “os punhos fechados da vida real”.