quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Boi de Pindaré e os 50 anos de uma toada que rompeu preconceitos



Antes cultuados apenas como objeto de estudo e admiração por intelectuais, professores e artistas, os cordões de bumba meu boi passaram a ocupar um lugar de destaque no cenário da cultura do Maranhão em finais da década de 1960. Mas foi no ano de 1972, com a gravação do LP Bumba meu boi sotaque de Pindaré, no Rio de Janeiro, que a manifestação rompeu barreiras e preconceitos sociais e raciais e alcançou as ondas do rádio, especialmente com a toada Urrou do boi, de autoria de Bartolomeu dos Santos, o Beto Coxo, popularmente conhecido como Coxinho, e por ele cantada.

 

Com o sucesso do disco, o Boi de Pindaré – que surgiu em 1960 de uma dissidência do Boi de Viana – começou a participar de apresentações em outras capitais do País, Coxinho conquistou a fama e a toada Urrou do boi, ao longo desses 50 anos, ganhou algumas regravações, dentre elas a do grupo Boca Livre, em 1980, no LP Bicicleta.

 



Coxinho deixou o Boi de Pindaré com a morte do dono da brincadeira, João Câncio dos Santos, no início dos anos 1980, voltou a cantar no Boi de Viana e começou a travar uma luta inglória pelos direitos autorais sobre suas composições. No disco do Boi de Pindaré de 1972, por exemplo, não há qualquer menção aos autores e cantadores das toadas. 

 

Com dificuldades financeiras e a saúde debilitada – a visão comprometida e feridas nas pernas –, Coxinho passou a pedir esmolas na calçada do antigo Cine Éden, na rua Grande. Foi o apresentador José Raimundo Rodrigues quem se compadeceu da situação e iniciou campanhas na TV e no rádio de solidariedade a uma das figuras mais emblemáticas da cultura do Maranhão. 

 

Em janeiro de 1991, José Raimundo lançou, na praça Deodoro, o LP Raízes, uma coletânea de 14 toadas em homenagem aos principais cantadores de boi. No disco, produzido pela JBG e gravado no estúdio Sonato, estão Humberto do Maracanã, João Chiador, Zé Olhinho, Inaldo, Donato, Zé Alberto e, claro, Coxinho, entre outros.   

 

Pouco mais de dois meses depois do lançamento do LP, Coxinho não resistiu aos problemas de saúde. Morreu no dia 3 de abril de 1991, pobre, com uma modesta aposentadoria de funcionário público estadual e sem o devido reconhecimento de seus direitos autorais. 

            

No dia 12 de dezembro de 1993, em projeto de iniciativa do então deputado Benedito Coroba, o governador Édison Lobão sancionou lei que confere à toada Urrou do boio título de Hino Cultural e Folclórico do Maranhão. Pela lei, todos os eventos culturais em território maranhense ficam obrigados a tocar a toada de Coxinho, nos ritos de abertura e encerramento.

 

Tantos outros trabalhadores pretos do interior do Maranhão, estivadores e iletrados como ele, descendentes de famílias de camponeses da Baixada ou dos arredores da Ilha de São Luís, encontraram no auto do bumba meu boi – e também no tambor de crioula, no tambor de mina – uma janela de oportunidade para a expressão de suas agruras e alegrias. 

 

A história do bumba meu boi é também a história de vida de Coxinho, nascido em 1910, no povoado de Lapela, município de Vitória do Mearim, filho de remanescentes de escravos, que fez do seu urro musical o berro de muitos maranhenses. Salve, grandes e pequenos! Fora da lei, ficou mesmo a voz como um gemido, rouco e triste, desses que se reconhecem ao longe. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Os caminhos de Péricles


 

Péricles Rocha compõe parte significativa da história das artes plásticas no Maranhão das últimas quatro décadas. É um artista em tempo integral, disciplinado, intenso, e que não faz concessões para manter viva a exuberância de traços e cores inconfundíveis, abrolhados no sertão do imaginário popular, ainda na infância da pequena Benedito Leite.

 

“Meus caminhos” é uma exposição que mapeia a alma peregrina de Péricles Rocha, que revela a imensidão de alegorias que vem pavimentando o destino do artista. De Codó a São João dos Patos. De São Luís a Alcântara. Do Rio de Janeiro a Florença. As impressões do andejo estão em toda parte, nessa comunhão de mitos e lendas e nas delicadas epifanias entre o sagrado e o profano que povoam a maturidade do artista, agora impregnada em trinta telas de rara harmonia estética. 

 

Péricles Rocha conhece como poucos as belezas e as agruras do Maranhão profundo. Aprendeu ainda muito cedo a alquimia das cores que nascem do urucum, da tabatinga, do toá. O ocre, o amarelo telha, o verde sutil, o vermelho sangue e o azul discreto iluminam cazumbás, guarás, inhaúmas, garças, paisagens, santos e quilombolas que desfilam nesse celeiro de inventividade do artista. 


 

Ora lúdico, ora sincrético, o pintor cria suas próprias cores – as cores de um Maranhão barroco, incorpóreo, às vezes de um Piauí ancestral – para alcançar, sem freios, a sua literatura de cordel numa tela de tecido ou esticada numa lona de caminhão de beira de estrada. Nos trabalhos dessa exposição há o mundo onírico contado pelas pretas velhas do interior, as padroeiras, os santos do pau oco, os bichos de assombração, as brincadeiras de menino, a fé sem cabresto.  

 

Como um São Sebastião açoitado pelas flechas do acrílico sobre a tela, o artista está aprisionado na hierarquia sacrossanta dos anjos de catedrais em ruínas de Alcântara. A arte é o mangue. São os olhos de neon do bumba meu boi de Santa Fé. É a Festa do Divino. É o Barrica de Godão. É o Pai Francisco com a máscara do mestre Abel.

  

“Eu pinto a gente que crer”, diz ele. E nessa exposição de agora estão histórias colecionadas pelo tempo. Para cada tela há um enredo, uma vida, um segredo, uma adivinhação, um degredo. “Meus caminhos”, portanto, é essa engenhosa profissão de fé. Péricles Rocha é meio Maranhão, meio norte. Arte emaranhada no mundo.

 

Zé Limeira, o surrealista bárbaro

 

Em 1980, a gráfica do Senado trouxe a lume, pela Coleção Machado de Assis, a quinta edição do livro Zé Limeira, poeta do absurdo, de Orlando Tejo (a primeira edição da obra é de 1973), com capa e ilustrações de um Péricles Rocha ainda em início de carreira. Hoje essa edição é uma raridade, encontrada somente em alguns poucos sebos do País.  



A primeira exposição individual, de 1977, na Galeria Sérgio Milliet, no Rio, ainda fazia eco quando Péricles recebera o convite do jornalista e poeta paraibano Orlando Tejo, intermediado pelo então senador José Sarney, para ilustrar o livro sobre o lendário cordelista Zé Limeira. À época, o artista maranhense era servidor público da gráfica do Senado. 

 

Foi tudo muito rápido e Péricles teve pouco mais de um mês para entregar treze desenhos em bico de pena a partir da leitura dos versos de Zé Limeira. “Entreguei os originais ao Orlando Tejo e nunca mais os recebi de volta”, conta o artista. Embora naquele momento sem muita intimidade com a obra do cordelista analfabeto nascido em Teixeira (PB), Péricles não encontrou dificuldades para traduzir a explosão de delírios nos versos de Zé Limeira.




Único surrealista bárbaro perdido nos sertões do Nordeste, como observa Tejo, Zé Limeira ainda hoje exerce fascínio entre os estudiosos da cultura popular brasileira, por seu sotaque provocador, brejeiro e universal, pelas corajosas inflexões de andarilho mítico, num período que precede vocações transgressoras no Brasil. 

 

‘Ano passado eu morri/ mas esse ano eu não morro”, os versos que em 1976 ficaram famosos na canção Sujeito de sorte, de Belchior, em verdade pertencem na essência ao rico acervo de cantorias de Zé Limeira inventariado – ou mesmo fantasiado, reinventado – por Tejo. 



A canção de Belchior, que virou quase um hino desses anos soturnos com as dores da pandemia, e também de obscurantismo no cenário político brasileiro dos últimos meses, nasce de um jogo de palavras do homem simples dos confins nordestinos que faz tremer a verossimilhança, que confunde realidade com fantasia:    

 

Em já cantei no Recife,

Dentro do Pronto Socorro,

Ganhei duzentos mil réis,

Comprei duzentos cachorro,

Morri no ano passado,

Mas esse ano eu não morro!

 

Foi com as imagens captadas nesse playground mágico, de luminosa estroinice, que Péricles Rocha começou a urdir a sua teia de ilustrações para o livro sobre o poeta do absurdo. O artista materializou em desenhos ilógicos as pelejas de repentistas alados, o truque das escrituras sagradas, o humor improvável, o coice da besta-fera, o homem em permanente estado de mutação, a viola reencarnada. 

 

Quando Dom Pedro Segundo

Governava a Palestina

E Dona Leopoldina

Devia a Deus e ao mundo,

O poeta Zé Raimundo

Começou a castrar jumento,

Teve um dia um pensamento:

Tudo aquilo era boato,

Oito noves fora quatro,

Diz o Novo Testamento!



Forjada nesses surtos da imaginação humana, desde as primeiras leituras dos versos de Zé Limeira, a obra de Péricles Rocha há muito flerta com o surrealismo, a loucura, o mimetismo do medo com as memórias da infância, a poesia que causa solavancos. O cordel telúrico do artista maranhense é uma vastidão de lembranças picotadas a cada nova exposição, a cada novo projeto. 

 

A obra de Péricles Rocha é uma bela corrente de invenção. Como um dia também inventado talvez tenha sido o personagem Zé Limeira.  

 

terça-feira, 12 de julho de 2022

De Daomé à Casa das Minas, a rota de escravidão da rainha


Rio - Ao perceber a presença de maranhenses na fila de autógrafos do terceiro volume da série Escravidão (editora Globo Livros), o historiador Laurentino Gomes foi logo chamando a atenção para um capítulo especial do livro dedicado a Nã Agotimé. Na noite de ontem estávamos eu, o poeta Salgado Maranhão e meu filho João Vítor com a namorada Jorgeanna na Livraria da Travessa, no lançamento da obra que fecha a trilogia e faz um recorte temporal da Independência do Brasil à Lei Áurea.  

 

Laurentino bebe nas fontes do historiador Alberto da Costa e Silva e dos antropólogos Pierre Verger (também etnógrafo e fotógrafo) e Sérgio Ferretti para associar a história da rainha africana Nã Agotimé às origens do Querebentan de Zomadonu, a popular Casa das Minas que resiste ao tempo na rua de São Pantaleão, no Centro de São Luís. 

 

Não obstante o volume de segredos e mistérios guardados nos rituais de culto afro no Brasil, respeitados na maioria dos estudos antropológicos, Nã Agotimé teria fundado a Casa das Minas no Maranhão depois de ser vendida ao Brasil como escrava durante guerra familiar pela sucessão do trono de Daomé (atual Benim) no final do século XVIII.

 

Oficialmente, a Casa das Minas foi fundada por Maria Jesuína, em nome de quem está a escritura mais antiga do imóvel, datada de 1847. Há quem diga, porém, que Maria Jesuína nunca teria existido. Seria apenas um codinome para esconder “a verdadeira responsável pela criação desse local de culto, cuja identificação por razões obscuras se manteria até hoje como um segredo muito bem guardado pelas suas sucessoras”.   

 

Nã Agotimé foi uma das muitas esposas do rei Agonglô. Nã tomou partido de um dos filhos para assumir o reinado após a morte de Agonglô. Mas a guerra civil levou ao trono Adandozan, um rei vingativo e sanguinário que governou Daomé por duas décadas. A Casa das Minas seria, portanto, um pedaço do reino daometano – exatamente aquele em contraposição a Adandozan – transportado para o outro lado do Atlântico pela rainha exilada.

 

Laurentino Gomes chama a atenção, com essa e outras histórias da trilogia, para o fato de que a escravidão afetava não somente pobres, mas pessoas ricas e poderosas. “A perversa engrenagem do tráfico negreiro não poupava ninguém”. Segundo ele, a exemplo do caso de Nã Aglotimé, uma fatia representativa da nobreza africana foi lançada nos porões de navios “rumo a um destino muitas vezes anônimo e misterioso no cativeiro no Brasil”.     

 

Em 2005, o terreiro da Casa das Minas fora tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ao longo do tempo, sem a renovação de filhas e mães de santo, os rituais e segredos – como o culto aos chamados vuduns – deixaram de ser passados de uma geração para outra. Em 2015 morreu a última chefe da casa, Deni Prata Jardim, aos 89 anos.    

 

De acordo com pesquisas de Laurentino Gomes, em seis anos de viagens por doze países, no período de chegada da rainha Nã Agotimé ao Brasil o Maranhão era uma das principais rotas do comércio negreiro no continente americano. De 1741 a 1842, aproximadamente 100 mil africanos desembarcaram em São Luís.  

 

Como na definição de José Bonifácio de Andrada e Silva, destacada em boa hora no livro de Laurentino Gomes – que lança um olhar de estudioso, mas também de agudeza crítica, sobre triste período da história da humanidade – a escravidão era “um cancro que contaminava e roía as entranhas da sociedade brasileira”. 

 

Por fim, ao finalizar a leitura do capítulo recomendado por Laurentino, sobre a rainha Nã Agotimé, deixo aqui o registro de uma composição memorável da música produzida no Maranhão que retrata com poesia e engenho melódico o eco dos tambores de choro da Casa das Minas. Trata-se do enredo Do Daomé à Casa das Minas – a origem de um povo, de Betto Pereira e Augusto César Maia, um dos mais belos da história dos carnavais maranhenses defendido em 1980 pela escola Flor do Samba.  

 

Foi Dã quem deu origem a Daomé

E de lá pra cá a África se transportou

Guardadas no comé da Casa das Minas

Memória de um povo exaltada ao som de um tambor

 

Uma família Davice

Aqui impõe sua cultura e tradição

Acolhe escravos, cresce forte

E a nação gege rompe a aurora dos seus deuses

Pra Zomadonu com todo seu panteão

Negro dança a noite inteira

Cantando lamentos, de pés no chão

 

Toca o tambor de choro

É mais um negro que se vai

Morre um negro nasce outro

Deixa o negro em sua paz

 

Negra Fulô era feirante do amor

E o negrinho Cosme se fez barão dos bem-te-vis

E ostentou toda uma raça, Catarina Mina

Negros brotaram das raízes do reinado de Abomei

Mãe Andreza encheu de amor todo Querebentan

Evoca o teu orixá e oferenda abobó, caruru e cuxá

 

Roda saia preta mina

Que o atabaque ecoou

Mostra a beleza e a nobreza

Que o povo fon te deixou

 

sexta-feira, 27 de maio de 2022

A elegância em sépia na mochila

Aqui e ali ainda haveremos de encontrar o sopro da quarentena nas folhas desses livros de agora – agora que parece uma eternidade! Inevitável. O cheiro de dentro da casa persevera em meio a sustos, anseios, os lírios no quintal, o café morno, os gatos na varanda, a solidão em trova e uma nesga de esperança. Mas a poesia, ainda bem, vai além do aqui, do ali e do agora, porque viceja fora da caixa. 

Este terceiro livro de poemas de Eduardo Júlio, O sopro do lugar junto ao tempo, respira e transpira fora do quarteirão da quarentena. Nele, o autor, com sua rajada de versos, irrompe a espessa casca do espaço-tempo: de um lado, uma nuvem sobre a sala, as cidades que habitam o poeta, a montanha à espreita e o mar além; de outro, a miragem líquida de anteontem, a poeira no deserto dos olhos no presente e o atalho nefando para o amanhã que não ri, que não rima. 

Em Alguma trilha além, o livro de estreia (2005), Eduardo Júlio visitou os poemas de acampamento, a beira da estrada, as pegadas na areia e os ponches da mocidade. Em 2020, com O mar que restou nos olhos, o poeta deu um salto quase olímpico – não por acaso o livro foi um dos finalistas do festejado Prêmio Jabuti – ao fundir memória e maresia, a Chapada Diamantina e uma praia selvagem de Alcântara, a melancolia do exílio e algumas janelas de afeto. 

O sopro do lugar junto ao tempo é uma extensão em cinemascope do engenhoso livro anterior, com planos abertos e imagens mais nítidas, quase balsâmicas, mas que ainda preservam aquela elegância em sépia dos versos de outrora. Não há passadismo algum na poesia de Eduardo Júlio, mas uma nostalgia rara, franca, de uma velha modernidade que se esconde por trás da decantada primavera digital. O poeta, ‘observando o declínio sistemático/ da existência’, espicha os olhos por entre as antenas de telefonia até alcançar bianas enfeixando amores no oceano que corre logo ali depois dos telhados da cidade antiga. 

Como nos primeiros livros, Eduardo Júlio segue errante escavando a vida pela margem, com a pá da palavra e suas sementes de guaraná e girassol, sempre decidido a se perder, feito um mochileiro que se recusa a enterrar as últimas quimeras de Ginsberg & Kerouac & Burroughs. Em ‘Um dia antes do fim do mundo’, talvez um dos poemas mais certeiros do livro, o poeta desembainha a sua toada: 

pela manhã 
tentei atravessar o continente 
da minha janela 

O autor recria imagens que nos parecem familiares, muito próximas de uma realidade coletiva. Parecem. Porém, revirada a carapaça do poema, há de se reconhecer que são imagens só dele, de tessitura muito particular. ‘O rio parecia correr ao contrário/ desde sempre’. Em algum momento, sem bilhete de embarque, transportamo-nos com o autor para Basra, ali no começo do mundo, no sopro mesopotâmico que ele nos proporciona, embalados por esse sussurro célere de encantamento metafórico, polifônico. 

O livro de Eduardo Júlio abre caminhos improváveis e alimenta presságios como se o ‘para sempre’ fosse apenas uma questão de ‘abraçar o mar por instantes’. No poema ‘Inventário’ ele revisita um velho baú de saudade e madeira, como que se reencontrando com o pai, e em silêncio desfia uma oração feito salvaguarda de um tempo que não findará. Em ‘Alento’, ouve-se em certa frequência alguém cantando sob os escombros. E escuta-se a tinta clareando o céu de ‘Van Gogh’: 

resta a noite estrelada 
pronta para devolver algum fulgor 
aos girassóis 

Os sopros de lirismo estão em toda parte. Nas marés imprecisas de uma juventude que não secou (‘de três dias ou cinquenta anos/ nunca vou saber ao certo’). Nos uivos de um poeta convidando outro poeta a se lançar na tormenta. E na ventura de querer olhar o mundo outra vez com os pés. Mas nem tudo leva a crer que a poesia não suporta vicissitudes do futuro. O livro apenas sugere um lugar possível, um tempo verossímil, em que a inércia do leitor possa bater asas.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Celso Borges, Chico Maranhão e uma oração ao tempo imóvel

 

Uma pena que a pandemia ainda persista e nos mantenha ilhados. Mas a saída, como de costume, é pela ponte. Ou pelas pontes, como a que o poeta e jornalista Celso Borges nos acalanta hoje ao publicar o livro Lembranças lenços lances de agora – memórias e sons da cidade na voz de Chico Maranhão, com o selo da editora Palavra Acesa. 

 

Para saber como tem pulsado a ilha nesses últimos cinquenta anos é preciso atravessar essa ponte. E Celso Borges usa como pretexto para a travessia episódios e personagens que ainda gravitam no imaginário cultural maranhense, com as gravações do antológico disco Lances de agora, do cantor e compositor Chico Maranhão, na sacristia da Igreja do Desterro, em 1978.


 

De costura poética envolvente, muitíssimo bem ilustrado com fotografias (algumas delas inéditas) que revelam diferentes facetas de uma cidade antiga e do espírito libertino de seus artistas, o livro tem o mérito de juntar pesquisa minuciosa, fundamentada, com um inapelável desleixo lírico –  sutilmente necessário, para uma obra que tem na roda um dos poetas mais engenhosos da música produzida no Maranhão.

 

Em Lembranças lenços lances de agora, Celso Borges sai por aí inventando outro mapa, revirando terras mal socadas, flanando por fontes e pontes paralelas, no encalço de um Chico Maranhão arredio, desconfiado, até dar no mar, na lenda, no tambor, na arquitetura dos afetos, no descampado da poesia... 

 

Celso Borges mergulhou nesse projeto por conta e risco, apaixonado, mas não como sacristão preocupado em servir um prato feito ao leitor e muito menos ao personagem estudado. Foi fiel tão somente ao seu instinto de poeta, de artista, de alguém no meio dessa usina. 

 

São lenços e lances de agora – as trupiadas políticas, o reggae e algumas contradições de Chico. São também lembranças que remetem a um momento distante, ao selo Discos Marcus Pereira, aos festivais de música, à Gabriela, ao Bandeira de aço, ao Pedra de cantaria, ao Laborarte, à Fonte nova e a outras nuvens. Remetem ainda a nomes como Dona Camélia Viveiros, Maestro Nonato, Antônio Vieira, Ubiratan Sousa, João Pedro Borges, Turíbio Santos, Pixixita, Valdelino Cécio, Nélson Brito, Sérgio Habibe, Chico Saldanha, Zezé Alves, Ronald Pinheiro e a tantos mais.  

 

Se o LP Lances de agora vale uma missa, o que dizer então de um livro que é quase uma celebração ao tempo? Ao tempo imóvel – dos discos, do Chico, do Maranhão, da aldeia mínima. Talvez uma oração ao tempo do próprio autor. E por tudo isso vale a liturgia da leitura. 

 

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Quando as cartas gritam


As cartas não mentem. Jamais. O mantra cai como uma luva no livro recém-publicado da jornalista e escritora Maristela Sena dos Santos. Jogo de cartas entre Hannah Arendt e Mary McCarthy – impressões de duas mulheres sobre o próprio tempo é uma obra que esmiúça, com privilegiada astúcia, acontecimentos que marcaram o século XX. 

 

Pelas correspondências trocadas entre a filósofa Hannah e a escritora Mary, Maristela nos ajuda a pisar nesse território recente da história povoado por ideias, obras, movimentos sociais, conflitos étnicos, tragédias coletivas, relatos de viagens, política etc.

 

Observatório valioso da história contemporânea, que ajuda a compreender a realidade de agora, o livro está dividido em três partes: o gênero epistolar, a escrita de se fazer conhecer; cartas para o futuro; e papel de carta, mensagens de Hannah e Mary em forma de verbetes. Este último, meio manual, meio almanaque. 

 

A obra, resultado da dissertação de mestrado de Maristela no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Maranhão, traz a lume temas como nazismo e holocausto, feminismo, racismo, política internacional, populismo e muito mais.  

 

As cartas trocadas entre Hannah e Mary, de acordo com o prefácio de Henrique Borralho, são como testemunhos para além das escrituras, “registros de um tempo” com “visões de mundo subjetivas” que ajudam a nos colocar em posição de alerta em meio ao obscurantismo que corrompe a inteligência humana.

 

O Jogo de cartas de Maristela Sena nos faz enxergar a complexidade da degradação do homem, e talvez um tanto das origens do comportamento de alguns em tempos tão sombrios. As cartas não mentem. Pelo contrário, sugerem informações fundamentais que ajudam a decifrar, por exemplo, fatos ou situações bizarras dos tempos atuais. 

 

Nenhum idiota propõe a criação de um partido nazista no Brasil, assim do acaso. Não! Esse antissemitismo moderno, como assinala Hannah Arendt, advém em grande parte do ambiente de torpor da sociedade. É daí que nascem a tensão permanente e o ódio à cultura, aos índios, aos pobres, aos negros, aos homossexuais...

 

O livro de Maristela Sena, mais do que oportuno, é necessário. Traça, de forma objetiva, a importância da literatura para o ensino de História, “como instrumento facilitador do processo de aprendizagem”. Diferentemente das escolhas acadêmicas caretas, às vezes enfadonhas, a obra tem passagens de uma leveza sedutora, a exemplo das cartas de duas mulheres ativistas do Maranhão, Silvane Magali e Diane Pereira, para Hannah e Mary. “Eu saí de um portal em pequena cidade do interior do Maranhão para criar outro portal, só que dessa vez ele não possui parede, o portal sou eu. E nesse momento eu me transporto para dentro do que você [Mary] escreve, eu me conecto, eu te agradeço e me reinvento”, diz um dos trechos da correspondência de Diane.        

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

100 anos da Semana de Arte Moderna – Graça Aranha e o "cancelamento" precoce dos modernistas

O maranhense Graça Aranha (foto: internet)

               Idealizador do evento, o escritor maranhense, ao longo dos anos, foi posto em plano secundário pela vanguarda paulista


“Nem sempre a fatura desse grupo é homogênea, porque cada um dos artistas obedece fatalmente aos impulsos misteriosos do seu próprio temperamento, e assim mais uma vez se confirma a característica da arte moderna, que é do mais livre subjetivismo”. Trocando em miúdos, era “cada um por si” na Semana de Arte Moderna, de acordo com as palavras do maranhense Graça Aranha, no dia 13 de fevereiro de 1922, na conferência de abertura do evento que ficou marcado como um divisor de águas na produção artística brasileira. 

 

A fatura quase nada homogênea do futuro não era uma mera questão semântica. Por trás da vanguarda paulista, que ansiava romper com o passado e incorporar ao Brasil a estética futurista que já fazia barulho na Europa, estava a oligarquia cafeeira, a família tradicional, cristã. E mesmo alguns dos modernistas ou eram de famílias influentes, endinheiradas, ou tinham laços com a elite intelectual de São Paulo. 

 

A ideia de que havia um grupo coeso identificado tão somente com novos modelos de expressão artística, essa ilusão gregária que recaía sobre a Semana de Arte moderna, ilustrava com frequência o noticiário. Internamente, porém, ecoavam mais alto as diferenças. Sobre literatura, artes, filosofia, visão de mundo... E não demorou muito para Graça Aranha virar o alvo preferencial dessas diferenças.

 

Culto, articulado, de ideias humanistas e reformistas (e até certo ponto controversas) pela experiência de anos vividos na Europa, frequentador das altas rodas, em pouco tempo Graça Aranha viria a ser – como se diz hoje no jargão das redes sociais – “cancelado” pelos principais expoentes paulistas do modernismo. 

 

Forjou-se, inicialmente nos bastidores e depois em público, uma acentuada ciumeira à projeção e liderança de Graça Aranha, àquela altura figura badalada, com alguns livros publicados, como o romance Canaã, de 1902. Já os paulistas, até então pouco conhecidos no campo editorial, não queriam dividir com um escritor nordestino, “de elegância europeia”, o protagonismo de uma festa e de um movimento que haveriam de entrar para a história. Desadornado na autoironia, foi o paulista Guilherme de Almeida quem cunhou a frase “Éramos os playboys intelectuais de 1922”.

 

Realizada de 13 a 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, a Semana de Arte Moderna teve como propósito reunir o que havia de mais atual na literatura, nas artes plásticas, na música, na arquitetura e no teatro. Dela participaram Di Cavalcante, Anita Malfatti, Mário e Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Manuel Bandeira, Victor Brecheret, Guiomar Novaes, Heitor Villa-Lobos, Ronald de Carvalho, Oswaldo Goeldi e Graça Aranha, entre outros.

 

O maranhense havia retornado da Europa em novembro de 1921, depois de atuar por alguns anos como diplomata na Suíça, Noruega, Dinamarca e França. Nascido em São Luís no dia 20 de junho de 1868, estava com 54 anos à época da Semana de Arte Moderna, enquanto que os demais modernistas eram bem mais jovens, a maioria com idade inferior a 30 anos. 

 

Graça Aranha foi discípulo de Tobias Barreto nos tempos da faculdade de Direito no Recife. Depois tornou-se amigo e acólito de Joaquim Nabuco, que lhe abriu as portas da diplomacia e das relações com a política e a intelectualidade. Foi Nabuco quem apresentou o maranhense à família Prado, de forte poder econômico e influência na vida social e cultural de São Paulo. 

 

Na Europa, Graça Aranha esteve em contato com diferentes correntes literárias e linhas de pensamento. Pressentiu a gênese da revolução modernista antes mesmo do modernismo, em sutil mimetismo com a filosofia. Retornara ao Brasil com a ideia de organizar um festival de artes e literatura. 

 

Em conversa com o pintor Di Cavalcanti, na livraria de Jacinto Silva, em São Paulo, o escritor e diplomata associou-se a um projeto semelhante do grupo paulista para idealizar a Semana de Arte Moderna. Montaram a programação, convidaram artistas, definiram a data. Contudo, faltava o principal. Quem iria bancar o dispendioso evento? Graça Aranha sugeriu então que o grupo procurasse seu amigo Paulo Prado, que de pronto assumiu, com outros empresários, todas as despesas da festa modernista.  

 

Paulo Prado, além de fazendeiro, era escritor, ensaísta e colecionador de arte. Graça Aranha, casado com Maria Genoveva, era tido como interlocutor de alguns negócios da família Prado e mantinha um longo caso extraconjugal com a irmã de Paulo, Maria Nazareth, esposa de Oduvaldo Pacheco Silva.

 

Ao longo dos anos, o nome de Graça Aranha foi perdendo força no contexto da Semana de Arte Moderna e do próprio modernismo. Não por acaso, página do governo de São Paulo, aberta agora na internet para celebrar o centenário do movimento, faz questão de frisar que a Semana de 22 é um fenômeno eminentemente urbano e paulista. O bairrismo menospreza um outro Brasil, talvez rural, dos cariocas Di Cavalcanti, Ronald de Carvalho e Villa-Lobos, do pernambucano Manuel Bandeira e do mineiro Agenor Barbosa, só para citar alguns nomes. 

 

Como esquecer atores de outras regiões do País que ajudaram a construir a Semana e o pensamento modernista? Como deixar em segundo plano alguém que fez a conferência de abertura do evento? Como não lembrar que foi Graça Aranha também o responsável por convidar artistas do Rio a se juntarem aos paulistas na programação da festa? Como ignorar o fato de que as primeiras reuniões do grupo modernista aconteceram no hotel paulista onde Graça Aranha estava hospedado?  

 

A grilagem do modernismo


Mário e Oswald de Andrade assumiram o protagonismo da Semana de 22 (foto: internet)

Em reportagem do Jornal do Comércio, à época da Semana de Arte Moderna, mencionada no livro 1922, a semana que não terminou (Companhia das Letras, 2012)de Marcos Augusto Gonçalves, Graça Aranha era reverenciado como a grande figura pública “à frente dessa iniciativa que pretende fazer uma completa demonstração das nossas modernas correntes estéticas”. Ainda no auge do evento no Teatro Municipal, é fato que Graça Aranha, pela sua retórica, recebera o reconhecimento da imprensa, naturalmente com algumas exceções. 




Obtivera também, de início, o apreço público daqueles que com o tempo se transformaram nos “papas” do modernismo no Brasil, a ponto de de ser chamado de “protomártir da nova era”, por Oswald de Andrade; e de “a antemão da Semana”, por Mário de Andrade. Mas, depois, fora estigmatizado e desprezado intelectualmente pelos dois escritores paulistas, que assumiram, sem cerimônia, a paternidade da Semana de Arte Moderna.

 

Ao longo de décadas, Mário de Andrade liderou uma espécie de resistência ao nome de Graça Aranha. O autor de Pauliceia desvairada considerava o escritor maranhense como um potencial aproveitador e “interesseiro”, capaz de “grilar” o happening modernista. “Grilar”, de acordo com a diatribe de Mário, era usurpar dos paulistas o papel de legítimos “latifundiários” do modernismo.

 

Mário de Andrade dizia aos quatro ventos que o modernismo não viera ao Brasil “dentro da mala de Graça Aranha”. No livro de Marcos Augusto Gonçalves, há referência a uma palestra de Mário, de 1942, nas comemorações dos 20 anos do festival. Perguntado sobre quem teria sido o autor da ideia da Semana de Arte Moderna, o autor de Macunaímarespondera com a seguinte evasiva: – Por mim não sei quem foi, nunca soube, só posso garantir que não fui eu. Mário dizia apenas que “alguém” lançara a ideia dos festivais de literatura. – Foi o próprio Graça Aranha? Foi Di Cavalcanti? – titubeava. 

 

No livro de memórias Um homem sem profissão (Globo, 1990), também Oswald de Andrade destila sua imanente antipatia ao escritor maranhense, alguém “geralmente confuso e parlapatão, filho duma abominável formação filosofante do século XIX”.   

 

O negacionismo acadêmico  

 

Levado pelo amigo Joaquim Nabuco e apoiado por Machado de Assis, Graça Aranha foi um dos fundadores, em 1897, da Academia Brasileira de Letras, mesmo sem ainda ter publicado um único livro. Escreveu Canaã ainda no Espírito Santo, mas só o publicou quando estava na Europa, em 1902. O livro é tido como um romance de temática modernizante, povoado de questões filosóficas e multiétnicas, e por isso mesmo pouco lido nos anos que sucederam à sua publicação.     

 

Em 1924, Graça Aranha rompeu com a Academia Brasileira de Letras, acusada por ele de passadista, alheia a uma produção literária de caráter nacional e avessa ao modernismo em ebulição no Brasil. “Se a Academia se desvia desse movimento regenerador, se a Academia não se renova, morra a Academia!”, bramiu o escritor.

 

Ao se voltar contra a ABL e o “arcadismo” latente de muitos intelectuais de vanguarda no Brasil, Graça Aranha fora vítima, dias depois, da ira de um Oswald de Andrade supostamente acossado. Em artigo no jornal A Manhã, ele brada: “Graça Aranha é um dos mais perigosos fenômenos de cultura que uma nação analfabeta pode desejar. Leu mais duas linhas do que os outros, apanhou três ideias além das de uso corrente e, faquirizado por uma hipnose interior, crédulo e ingênuo, quer impor à outrance os seus últimos conhecimentos, quase sempre confusos e caóticos”.

 

A estética do cosmos 


Grupo de artistas envolvidos na realização da Semana de Arte Moderna (foto: internet) 

Parte da imprensa paulista considerou o manifesto “A emoção estética da arte moderna”, de Graça Aranha, na abertura da Semana de 22, decepcionante por não defender, objetivamente, a chamada escola futurista. Em editorial do dia 14 de fevereiro de 1922, o jornal A Gazeta cobrava algo mais contundente: “Era de se esperar que uma arte que pretende ser nova recebesse do seu paladino ilustre a marca indelével e elucidativa de algum princípio também novo com que a pretensa escola se apresenta à conquista de modernos ideais”. 

 

Do subjetivismo estético defendido por Graça Aranha enxergava-se qualquer coisa, inclusive o próprio passadismo a que a Semana se opunha. “É no sentimento vago do Infinito que está a soberana emoção artística derivada do som, da forma e da cor”, pregava o maranhense no palco do Teatro Municipal.

 

Nas palavras de Graça, toda manifestação estética é precedida de um movimento de ideias gerais, “de um impulso filosófico, e a filosofia se faz Arte para se tornar vida”. O manifesto é carregado de senhas e algumas pistas falsas, como se depura no seguinte trecho:  “E eis chegado o grande enigma que é o de precisar as origens da sensibilidade na arte moderna. Este supremo movimento artístico se caracteriza pelo mais livre e fecundo subjetivismo”. 


Se, de um lado, o individualismo exacerbado defendido por Graça Aranha, ateu convicto, causava arrepios em parte da intelectualidade que flertava com os preceitos do socialismo emergente (com a Revolução Russa, de 1917); de outro, a inspiração darwinista do maranhense ia de encontro à formação religiosa de muitos modernistas paulistas.

 

Mas o individual era, em tese, a identidade nacional; e a realidade cósmica, o caráter universal. É essa comunhão entre o átomo e o cosmos a base do pensamento modernista de Graça Aranha, que muitos faziam questão de não compreender. Do alto de sua bagagem intelectual, e na azáfama da organização de uma semana de rupturas, Graça Aranha mistura, de chofre, Darwim, Rousseau, Cézanne, Debussy, o romantismo, o cosmos, o Renascimento, a Revolução Francesa, Rodin, a filosofia e o escambau no manifesto.

 

Um cosmopolita incompreendido e controverso 

 

Graça Aranha pregava a integração do espírito humano à unidade do cosmos. Incompreendido, em certas ocasiões suas ideias foram motivo de pilhéria, inclusive pelos próprios modernistas.

 

O livro A estética da vida, de 1921 – como reiterado um ano depois em manifesto lido na abertura da Semana de Arte Moderna – expunha a intransigente e complexa defesa da arte como locomotiva da “unidade do cosmos”. Em conferência aberta, em 1942, Mário de Andrade tratou o livro de Graça Aranha com escárnio.  

 

Alguns episódios na seara dos negócios expuseram a personalidade controversa de Graça Aranha ante seus amigos modernistas. Como amigo e interlocutor comercial da família Prado, o maranhense fora envolvido em polêmica, em 1917, por intermediar suspeita transação do café brasileiro para a França. Fato que o levou a ser classificado por Lima Barreto como o “caixeiro-viajante” da família Prado.   

 

Do escritor e crítico Sérgio Milliet recebeu, em artigo na revista Lumière, em 1922, a advertência acerca da verdadeira estética perseguida pelos futuristas brasileiros: – “Graça Aranha, autor de Canaã, livro já traduzido em francês, e de Estética da vida, membro da Academia Brasileira, teve a enorme coragem de romper com o passado para se colocar à frente dos jovens. Ele tem entusiasmo, convicção e influência, mas temo que não compreenda bem o verdadeiro intuito dos modernos, que não é a procura de uma liberdade absoluta, mas sobretudo de novas regras de construção”. 

 

Di Cavalcanti, apesar de atribuir a Graça Aranha o “caráter festivo” da Semana de 22, enxergava no escritor e diplomata um misto de sabedoria e iniludível simplicidade. No livro de memórias Viagem da minha vida (Civilização Brasileira, 1955), ele assevera: “Fiz-me seu amigo e dele recebi admiráveis lições de cordialidade, distinção e inteligência. Sua grande ingenuidade de eterno adolescente foi o maior prêmio que ele me deu. Graça Aranha é para mim sempre como uma árvore florida diante da janela do meu espírito”.  

 

Graça Aranha faleceu no dia 26 de janeiro de 1931, no Rio de janeiro, aos 63 anos.