segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Virando a página


Vamos começar virando a página. Há um livro pesando nos ombros cheio de verdades, suave e terno, realista demais, às vezes dramático demais. É só um livro com suas verdades recortadas na página. Mas não o rasgue porque não se rasga esse papel que desbota naturalmente com o tempo. Quase sem vida, ele ainda respira e fala sozinho e nos conta coisas e nos surpreende, apesar de tudo. Não o amasse tanto, não o jogue fora, não o descarte. Reutilize dele o que for preciso, as notas de rodapé, o prefácio caso queira, recicle os principais parágrafos se necessário, grife os trechos mais marcantes e ria das passagens mais bizarras, do vexame, das mancadas. Ponha o espumante pra gelar, faça algumas ligações, esqueça as promessas do revéillon passado, não se encha de culpa e conte as horas. Vamos lá, chegou o momento de virar a página do ano, sem pressa.

Não espere muita coisa da loteria, não dê ouvidos aos astros nem a mão direita à cigana. Namore com a sorte, mas não confie nela tanto, não se apegue demais ao acaso. É só um ano que passa, nada mais. Não demora muito e a página fica pra trás com aqueles motins de alegria dentro da gente, as rebeliões distraídas e a guerra civil que não cessa. Não demora quase nada e uma contagem no calendário se inicia na alma cheia de fé, aquela que acredita que o mundo se reinventa em janeiro. É muita responsabilidade para o primeiro dia do ano, a primeira hora, o primeiro vento.

Refaça os números de sua aposta no futuro sem depositar todas as moedas na sorte, desenhe um novo itinerário, saia do roteiro previsível, deixe-se perder de vez em quando, invente outra trilha. A vida continua e as oferendas ao mar não vão mudar o curso das águas. Não é a cor da roupa nova que vai transformar você noutra pessoa, numa pessoa nova, diferente. É você quem faz a cor do seu destino. Cada ano é tão curto e tão intenso que atravessá-lo inteiro já é um presente.

Estamos quase lá e a página precisa ser virada. O ano precisa virar. A vida pode virar à meia-noite. E não depende de roupa nova. Amanhã não demora. E o que fazer com os rascunhos de última hora? Dor de cabeça, insônia, ansiedade, tensão, monotonia, falta de inspiração, mal de amor, medo, melancolia, saldo bancário. Pra onde levar essas sobras de texto? Na primeira manhã do ano experimente andar na praia, os pés na areia desviando do lixo das festas e das caravelas, a cortina de navios que rouba parte do infinito, o vento varrendo o peso das preocupações, dissipando as nuvens carregadas. Qualquer barquinho basta, qualquer vela colorida é uma festa para os olhos, qualquer arco-íris é uma bossa diferente. Não é com lexotan, prozac, energético, dieta, academia ou banho de sal grosso que se escreve uma página nova. Experimente andar na praia e deixe as suas pegadas na areia.

Pule aquela onda pequena. Que comece um ano realmente novo daqui a pouco, uma página leve que não amarele na primeira chuva. Que as manhãs não envelheçam, e os dias não descorem na primeira escassez de esperança. Vire a página, mas não vire as costas para o que nela foi escrito com os seus passos e o fardo de erros e acertos. Vamos terminar virando a página logo porque ano novo que atrasa não adianta.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Aonde você vai passar o fim do mundo?


Pensei em ficar em casa acompanhando o noticiário pela CNN, os primeiros destroços nos lugares mais ermos mostrados em tempo real, repórteres enlouquecidos em busca de testemunhas, o comércio fechando as portas. Imaginei sair perambulando pelas ruas em busca de sobreviventes, melhor não, diz o vizinho, ninguém sabe o que pode acontecer, o mundo anda muito agitado. Cogitei arrumar a mochila, algum lugar que não tenha vento forte ou mar, viagem rápida de avião. Mas aí lembrei dos aeroportos lotados, longas filas de embarque e dos capítulos iniciais de Lost.

Uma arca com GPS seria uma mão na roda na travessia, fauna sincera, dragões de fé e um pouco de silêncio na hora da novela, São Jorge à espreita. Jamais recorreria à alma fraca dos Maias de Eça de Queiroz para saber o que tanto querem os maias mesoamericanos nesse final de mundo de amanhã. É fatal mesmo como dizem ou ainda dá pra tirar o nome da lista? Haverá uma primeira leva, uma segunda e terceira? Ou todo mundo vai junto sem sorteio algum, tipo ordem alfabética?

Fui ler com cuidado a profecia e lá está bem claro que o mundo não acaba no início do dia 21, mas ao final dele, já encostando no dia 22, ou seja, temos aí mais algumas horas pra buscar uma saída honrosa. A virada mesmo, aquela tipo réveillon, é de sexta pra sábado e não de quinta pra sexta como a imprensa insiste em nos convidar. E olha que os maias nos apontam dois caminhos: ou sumir do mapa, evaporar, desaparecer de vez e nunca mais pôr os pés no planeta; ou evoluir na consciência de que somos parte do todo, aquele todo mesmo, e que podemos existir em uma era de luz. Entendeu?

Eu sei, é confuso e faltam poucas horas. Parece que o problema todo tá no deslocamento do eixo de rotação da Terra. É uma coisa meio diferente, acho que o último teste foi no dilúvio, só que agora tem a ver com mancha solar e a temperatura cada vez mais alta de Teresina. Para os maias, o nosso desafio de amanhã é atravessar o portão do medo, claro que passando antes pelo salão de espelhos, olho no olho com a nossa alma, o confessionário do último dia, muita gente aguardando uma resposta. Veja que com uma responsabilidade dessa pela frente e o Senado interessado no destino dos royalties do pré-sal. Pode? Segundo os maias, o fim do mundo nada mais é do que o veto à vida. Essas coisas de punição que os parlamentares não engolem. Não evolui, não produz, não consegue existir numa era iluminada, alguém vai acabar vetando algo maior, a existência, a matéria, sabe lá.

O sexto ciclo solar, de acordo com a profecia maia, começa no sábado e não tem hora pra acabar. Como assim, o mundo então vai ter uma segunda chamada, uma prova de recuperação, uma repescagem? O risco, meu caro, é o portão do medo que dá acesso livre à sala de espelhos. E não é assim em grupo, todo mundo de uma vez furando fila. O teste é individual com questões discursivas sobre autoconhecimento, vida pregressa no condomínio, frequência vibratória elevada, a respiração da galáxia, o “tempo-do-não-tempo” e outras coisas que você só encontra no Google mesmo.

Lenda ou não, o mundo de alguma forma vai sofrer um abalo amanhã. E não é por falta de aviso. O calendário maia há muito pede uma providência, clama por uma mudança de atitude. O que os mais birrentos ainda não entenderam é que a cura do planeta depende de uma consciência coletiva. O dia fora do tempo está dentro de cada um. O juízo final, como o próprio nome diz, é a última instância, tipo o voto do Joaquim Barbosa. Não há mais como recorrer.

Aonde passar, afinal, o dia de amanhã? Em casa, no porão, no clube, no meio da rua? Quem sabe na praia de Copacabana... Talvez não, os fogos de artifício podem parecer o primeiro sinal, e aí o tumulto se forma, ninguém se concentra e o fim do mundo acaba acontecendo antes da hora marcada. Na dúvida, ando lendo “1.000 lugares para conhecer antes de morrer”, de Patricia Schultz (Editora Sextante), em busca de alguma dica. Das 729 páginas, nem cheguei à metade. Passeei pelo Saara marroquino, subi o Himalaia, tomei chá em Machu Picchu, me hospedei num hotel de gelo na Suécia e avistei as ruínas maias de Palenque, no México. Por enquanto só pistas falsas. Mas acho que vou até o fim. E com que roupa?

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A igreja da minha infância


O domingo era um dia especial na minha infância em Barra do Corda. Acordava de uma noite embalada pelos sonhos carregados pela ansiedade de chegar logo a luz da manhã. Cedo começava a minha missão de acólito da Igreja Matriz. Durante certo tempo, fiz o caminho de casa à igreja, ambas na mesma rua, com dedicação fervorosa. Eu era um pequeno voluntário que até adoecia se não chegasse a tempo de ajudar a paróquia na missa do domingo. Vivia aquela inocente convicção de que sem mim a celebração não existia.

A igreja foi a principal referência das cidades do interior. E naqueles tempos essa referência parecia maior na impressão de um menino. O monumento de pé-direito exuberante dialogava com a praça Melo Uchoa florida de girassóis e acácias e suas palmeiras imperiais imensas. A torre alta, que se via ao longe de qualquer ponto da cidade, parecia um desenho caprichoso de Deus no caderno do colégio Pio XI. A arquitetura, o mosaico, os bancos de madeira em duas fileiras, os vitrais coloridos e aquelas gravuras de santos e passagens bíblicas na parede me fascinavam. Não era um lugar qualquer. Era a igreja da minha infância. E em tudo havia motivo de contemplação.

Fui um acólito aplicado, um coroinha devotado, bem como foram os amigos Denes, Rogério, Pedrinho, Roberto e outros que não lembro o nome, todos sob a orientação quase celestial de frei Jesualdo Lazzari. Tínhamos o papel de auxiliar o padre no ministério do altar. O ofício guardava as suas regalias. A batina vermelha com uma faixa azul na cintura nos dava um certo status. A igreja estava sempre cheia nas manhãs de domingo e, para o nosso contentamento escancarado, as mães levavam suas filhas de roupa nova e cheirando a alfazema para a fila da comunhão. Era o momento mais esperado, quando tínhamos enfim a chance de um contato mais próximo com o nosso alvo semanal. Olho no olho era o bastante, mãos ligeiramente trêmulas naquela fração de segundos. Tempo suficiente para o padre entregar a hóstia, enquanto um de nós apoiava a bandeja abaixo do queixo da menina – era assim para que não houvesse perda nas sobras do pão sagrado. O ritual durava uma eternidade na nossa cabeça. As hóstias que restavam da missa sumiam da sacristia e milagrosamente recheavam horas depois o nosso piquenique à beira do rio.

Mas antes de tudo havia outro rito prazeroso. O primeiro sinal da missa era o convite dos sinos que badalavam da torre da igreja e varavam as ruas da cidade. Aos dez anos de idade, me pendurava nas cordas dos sinos com a mesma desenvoltura com que saltava do alto da ponte do rio Corda. Era uma farra que exigia uma certa perícia de moleque. Não bastava pendurar-se nas cordas. Era preciso conhecer a cadência de cada nota de sino. Para as missas da semana, soavam dois sinos, com apenas um toque cada, alternando sequencialmente. Na missa do domingo ou em dias de celebração especial, tocávamos todos os sinos ao mesmo tempo. O segredo estava na cadência mais lenta das primeiras badaladas. Se morria alguém na cidade, eram dois sinos, que alternavam cada um em três toques sequenciais, com pausas fúnebres bem curtas – desse ritual eu pulava fora, inventada uma desculpa e ia pra casa calado na companhia solitária do meu medo.

Depois do sino, emendávamos da vitrola as músicas de Padre Zezinho pelo serviço de alto-falante que também ecoava da torre da Matriz para toda a cidade. Ninguém, naqueles tempos, deixou de ser alcançado no domingo por canções católicas como “Cidadão do infinito”, “De novo penso em Deus”, “Um certo Galileu”, “Hoje é domingo”, “Utopia”, “Maria da minha infância” e “Um dia uma criança me parou”, entre outras mais que a memória guardou no passado. São hinos da minha vida, e o catecismo na vida de muita gente. As músicas deixavam um clima de oração espalhado pela cidade, um certo cheiro de paz.

Ia todos os dias à missa e cheguei ao posto intermediário da carreira missionária quando assumi a “presidência” do clube dos acólitos. Sem combinar nada com os meus pais, planejei entrar para o seminário, passo inicial do sacerdócio. Corria longe a fama do time de futebol dos seminaristas. E nas poucas vezes que eles participavam da missa de domingo, entravam na igreja com pinta de celebridade. Mas o período que vivi em Barra do Corda foi mais curto que a minha pouca vocação.

Além de saber de cor e salteado o texto de celebração da missa, aprendi muito na minha rápida e intensa experiência de igreja. A Matriz de Barra do Corda foi também a minha casa, me ajudou a ser criança, me encheu de fé e me fez entender o valor da família e dos amigos. Os sermões de frei Jesualdo eram uma espécie de bálsamo da simplicidade, a fortuna de esperança da gente humilde. Falava direto ao coração das pessoas. A vida ficava mais plena. Por tudo isso, as manhãs de domingo têm esse sabor especial da infância que não quero esquecer.

sábado, 8 de setembro de 2012

Poeta de um breve memorial


Em maio de 1977, São Luís comemorou os 50 anos de vida do poeta Bandeira Tribuzi (nascido a 2 de fevereiro de 1927) com uma festa que se estendeu por três dias, cujo ponto alto foi o lançamento do livro “Breve memorial do longo tempo”, em noite de autógrafos no Teatro Arthur Azevedo. Com a presença de familiares, amigos e muitos admiradores, o evento acabou se transformando na última homenagem em vida ao poeta que tão profundamente cantou São Luís, e a ela dedicou a “Louvação” transformada em hino oficial. A programação da homenagem foi coordenada por Arlete Nogueira da Cruz. Em decorrência de um fulminante infarto, Tribuzi morreria no dia 8 de setembro do mesmo ano, data de aniversário de fundação da cidade.

O economista, jornalista, professor, compositor, ensaísta e poeta, filho do comerciante português Joaquim Pinheiro Ferreira Gomes e da maranhense Amélia Tribuzi Pinheiro Gomes, deixou a cidade de luto. Foram pouco mais de 18 mil dias e noites a “tontear os olhos de sol tropical e a salgar seu tempero humano no mar que invade a ilha”. O “Breve memorial do longo tempo” era, como disse Tribuzi, a taça imponderável de testemunho e solidariedade, um convite à meditação, para “amanhecer a existência”.

José Tribuzi Pinheiro Gomes, o Bandeira Tribuzi dos saraus na Movelaria Guanabara, da sandália no pé, dos livros de poesia (“Alguma existência”, “Rosa da esperança”, “Pele e osso” etc.), dos ensaios literários, dos apontamentos econômicos e dos textos jornalísticos, e um dos fundadores do jornal “O Estado do Maranhão”, estudou em Portugal e foi seminarista franciscano antes de se entregar de vez às letras na capital maranhense, no final de 1946, quando retornou da Europa. Deixou também farto material literário publicado postumamente. Classificado de agitador e subversivo pelos militares, Bandeira Tribuzi foi demitido do serviço público e chegou a ser preso pela ditadura.

Em 1986, em homenagem ao poeta, o então governador Luiz Rocha inaugurou o Memorial Bandeira Tribuzi, numa área de oito mil metros quadrados na península da Ponta d’Areia. Com projeto de traços modernos assinado pelo arquiteto Manoel Carlos Carvalho, a obra foi entregue com pompa à comunidade, e passaria a abrigar todo o acervo de fotografias, desenhos, charges, livros, originais de poesia, textos então inéditos e partituras de Tribuzi, documentos em sua maioria cedidos pela família do poeta e por amigos.

Não obstante a imponência do prédio e a importância da homenagem, a escolha equivocada do local levou o memorial a se transformar, em pouquíssimo tempo, num elefante branco. Sem um projeto adequado de funcionamento e sem a mínima estrutura para preservação do acervo, um ano depois de inaugurado o monumento a Tribuzi já estava fechado para reforma. Em 10 de dezembro de 1988 foi reaberto em evento oficial do governo do estado, e logo depois abandonado definitivamente. Até a fundação criada pela administração estadual em nome do poeta está esquecida.

Nesse vaivém de abandono ao monumento, grande parte dos documentos se perdeu no tempo ou está disperso em bibliotecas, para tristeza da família de Bandeira Tribuzi. O filho do poeta, Francisco Tribuzi, diz que muita coisa foi semidestruída pela falta de cuidados e pela ação da umidade e do salitre. E afirma que, ao completar 400 anos de fundação, São Luís deveria ter, no mínimo, um espaço apropriado para expor a obra do poeta. Não um poeta qualquer ou trovador bissexto, mas o poeta de fato e consumado, entranhado na alma da cidade pelo bafo dos seus versos e pelo berro de alforria ao canto parnasiano que pairou sobre a cidade até a chegada de “Alguma existência”.

Sem a memória de Bandeira Tribuzi exposta ao público, o Quarto Centenário de São Luís fica menor. Muito se falou na construção de novos monumentos para a cidade, grandes obras arquitetônicas, instalações luminosas, esculturas de artistas renomados, tudo para marcar o aniversário de quatro séculos. Mas não se lembrou do poeta nem da sua poesia. Talvez alguém inclua “Louvação” num desses ritos oficiais de passagem. Mas a memória de Tribuzi vai se perdendo, tomada pelo capim, abandonada como um sem teto debaixo da ponte que liga a cidade velha à cidade nova. Bandeira Tribuzi fora reduzido a nome de ponte.

Um monumento ao nada


Em 1999, ainda como coordenador das edições de domingo do jornal “O Estado do Maranhão”, sugeri à repórter Selma Cristina Rosa que produzisse uma reportagem especial sobre o estado de abandono do Memorial Bandeira Tribuzi. E mais: que ouvisse especialistas para avaliarem a funcionalidade do prédio - ou para darem a ele alguma real utilidade. A reportagem fora publicada na edição do dia 31 de outubro daquele ano. Selma Rosa ouviu a viúva do poeta, dona Maria Tribuzi, artistas, escritores e urbanistas.

O então presidente da Academia Maranhense de Letras, Jomar Moraes, disse que o espaço criado pelo governo foi uma “lembrança fadada ao insucesso”, em péssima localização. Segundo ele, o memorial ficaria mais apropriado num casarão do Centro Histórico, a ser desapropriado pelo próprio governo. Em lugar do Memorial Bandeira Tribuzi, na Ponta d’Areia, quem sabe um museu náutico, palpitou ele. Ou até mesmo a própria implosão do prédio em franco processo de deterioração.

O arquiteto Ronald Almeida recomendou transferir o espaço para a iniciativa privada. Sugeriu na área bares, restaurantes, loja de esportes náuticos, exposição e comercialização de produtos de pesca. E apresentou um projeto com planta baixa (divulgada na reportagem) que consistia na criação de um complexo turístico incluindo o espaço do Memorial Bandeira Trubuzi, a capelinha em frente ao Iate Clube (o marco zero da avenida dos Holandeses), o antigo Clube 1 de Regatas, o Forte de Santo Antônio (atual base do Corpo de Bombeiros) e um casarão abandonado à época (demolido alguns anos depois), num total de 35 mil metros quadrados.

Restou a dona Maria Tribuzi lamentar o desprezo à obra do poeta. Que salvem pelo menos as duas penas de concreto numa eventual restauração, defendeu ela. “Que cerquem as penas e ponham uma placa alusiva, então”. Quanto ao esqueleto cinza e sombrio do monumento, sem porta ou janela, sem as esquadrias originais de vidro, sem eira nem beira, que fizessem o que bem entendessem. Àquela altura, não importava mais o memorial, sucumbido em meio à vegetação. Mas o local era sagrado. “Ali na Ponta d’Areia ele passava horas pensando e contemplando a cidade antiga”.

ideias e projetos continuam à espera de uma ação do poder público.


Carta (imaginária) a São Luís (*)

Ponta d’Areia, 8 de setembro de 2012


Exausto da solidão ilhéu, já não trago a rebeldia dos cabelos e a carnação azul da barba séria. Já não trago mais. O tempo me consumiu pulmão e coração e mais ainda consome em velocidade a cidade velha. Não sobraram versos, nem a sandália tem sobrado. Daqui os olhos saltam o mar e encontram as paredes puídas e o vestido roto da tua meia morada. Sobre a paz de tua imagem flutuando no Atlântico flui a música do tempo e cresce o musgo dos telhados. Os meus oitenta e cinco anos não são os teus quatrocentos anos, a minha história é bem menor que a tua. Mas nos encontramos pelo menos uma vez por ano na finitude desse chão batido de setembro, aterrado, banhado de sal e sol.

Fui a tua última ponte, o teu anel, mandei o teu parnaso ao beleléu e me entreguei ao ludo real da poesia menina, aveira, sem formulário. Hoje, jubilado sob o cimento sem cor ou vida, entre o céu e o mar estou como um barco vivendo as marés, e a espuma vem dar em meus peitos em dias de ressaca. O arco do sol me refaz esperando o torvelinho dos teus dias. Morro onde o vento se revolta e faz a curva.

No teu novo ano, não venho com um canto de louvação ou um breve memorial pra despistar a minha fadiga. Deixo o louvor aceso no castiçal das igrejas e me visto de padre ou economista para compreender as tuas novas castas. Deixo no primeiro ano do teu quinto centenário o meu marco regulatório, tão em voga nos dias de hoje! De queixa e assombro, afinal sou filho do ruído das palavras.

Em verdade, vai-se acabando o tempo da homenagem, o tempo do reconhecimento. O que permanece é esse sempiterno musgo nos beirais da memória. Se ainda não chegou o final dos tempos em 2012, então chegou o dia do triunfo da folhagem. É esse o marco regulatório que prenuncio. Sem soberba alguma, o memorial que tu me deste era pouco e se acabou. Nada contra o cheiro forte do capim que me cobre a face, mas me sinto vegetal e terra a consubstanciar-se com meus ossos. Vizinho está o mar com sua espuma, com sua raiva e sua ânsia, misturando sua maresia com o acre cheiro do mato.

Do memorial me pego a ver os navios se afastando e uma saudade que não é de amigos nem de parentes subindo aos olhos. É a saudade do futuro que me aflige. Pelos próximos quatrocentos anos deverei ainda dormir à sombra de grandes árvores em noites de espanto, próximas do medo, do frio silêncio, da paz intangível, para depois despertar com o mundo vegetal e as aves roçando meus ombros materiais, sentindo-me pedra. Sim, sinto-me pedra com o barulho das pedras do reggae que ao lado sacodem a minha estrutura de concreto. Acordo um trapo, um trapiche. Desculpe-me se no século passado não tive traquejo para o teu chamego parnasiano. E me perdoe se não levo jeito agora para a tua ginga jamaicana.

Não, não te escrevo para lamuriar. Por todos os caminhos do mundo por onde fui ou ouvi falar, a erva cresce daninha, entre as ruínas de um homem qualquer destroçado. Onde havia poesia, há paredes carcomidas nas quais bichos espreitam sobejos de alguma estrofe.

Diga a Maria que ainda habito um outono enorme. Que um dia quando pó forem meus nervos e minha carne, quando já nada reste dos meus erros, possa ao menos alguém lembrar ao ler o mais triste dos poemas e, lembrando, ouça a música incontida da palavra comigo sepultada: doce, nítida, pura, azul e alada.

Ao povo diga que jamais haverá quem corte o laço que a ti me prende, anel unindo o amante à sua amada, no fatal abraço em que se funde a vida coruscante. E antes que a morte me proíba de renascer as manhãs, deixa-me contemplar mais uma vez essa nesga do teu céu.

Ainda velarei o azul dos teus dias com o que me sobra de esperança. Ainda hei de aprender a tua poesia. Felicidade.

Bandeira Tribuzi
(*) texto baseado livremente em fragmentos de poemas de Tribuzi

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A marca que ficou


Nas comemorações do Quarto Centenário de fundação de São Luís, um dos maiores motivos de orgulho da equipe Clara Comunicação foi a criação do selo comemorativo da data, por encomenda do São Luís Convention & Visitors Bureau e do Comitê Estratégico dos 400 Anos de São Luís.

O selo, criado pelo designer gráfico Jovelino Furtado, foi escolhido em votação popular no final de 2011 e adotado ao longo deste ano por instituições públicas, empresas privadas, produtos, eventos e entidades da sociedade civil.

Juntamente com o selo, a Clara Comunicação também criou o slogan da campanha dos 400 anos: “O melhor da nossa história é a nossa gente”

O desenho do selo traz um gradil colonial ao fundo e fitas estilizadas formando o número 400 nas cores verde, azul e amarelo ouro, presentes na bandeira do município de São Luís.

A marca pode ser facilmente encontrada em vasta papelaria oficial, em fachadas de prédios, nas laterais dos ônibus coletivos, em anúncios publicitários de várias empresas, em brindes diversos, camisetas, uniformes de escolas (estudantes da rede de ensino do Estado desfilaram no Dia da Raça com camiseta estampando o selo da Clara), na latinha do Guaraná Jesus e em medalha comemorativa da Casa da Moeda.

O livro “São Luís 400, um recital de imagens”, os CDs “400 Carnavais” e “A5”, o apoio ao filme “Upaon-Açu, Saint Louis, São Luís...” e a criação do selo oficial são o nosso presente à cidade.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Mais quatrocentos anos

Hoje tem mais dois produtos culturais com a marca da Clara Comunicação nas comemorações do Quarto Centenário de São Luís. A partir das 17h, o Teatro da Cidade (antigo Cine Roxy) será o palco de lançamento do livro “São Luís 400 anos – Um Recital de Imagens”, da Clara Editora em parceria com o Fotoclube Poesia do Olhar. E às 19h, também no Teatro da Cidade, acontece o lançamento do filme “Upaon-Açu, Saint Louis, São Luís...”, um desenho animado produzido e dirigido por Joaquim Haickel, com o apoio da Clara Comunicação, que conta a história de fundação da capital maranhense.

O livro “São Luís 400 anos – Um Recital de Imagens” traz imagens do cotidiano urbano da cidade captadas por fotógrafos profissionais e amadores, a maioria deles empresários, advogados, estudantes e profissionais liberais. São 240 belos cenários identificados por 39 fotógrafos, entre associados e colaboradores do Fotoclube Poesia do Olhar.

Com uma tiragem especial de mil exemplares, o livro traz textos do escritor e juiz federal Ney de Barros Bello Filho e do membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, Antonio Norberto. A apresentação do trabalho é de Oton Cardoso Pereira. O projeto gráfico e a diagramação do livro são assinados pelo designer Jovelino Furtado, da equipe da Clara Comunicação.

O filme “Upaon-Açu, Saint Louis, São Luís...”, patrocinado pela Alumar, Ambev e Emap, tem 13 minutos de duração, direção de arte de Beto Nicácio e produção executiva de Ariana Chediak e Nádia Nicácio. A trilha sonora original, mixagem de som e efeitos sonoros são de Yvo Ursini.

Após a exibição de lançamento, cópias do desenho animado em DVD serão distribuídas nas escolas da rede municipal e estadual de ensino e em diversas comunidades da cidade de São Luís.

O filme de Joaquim Haickel sobre a fundação de São Luís foi traduzido para o espanhol e para o francês. A versão de apresentação em português tem narração de Isaac Bardavid, um dos principais dubladores da companhia cinematográfica Herbert Richers. Bardavid participou de telenovelas da Globo como “O Astro”, “Escrava Isaura” e “A Padroeira”. Em 2006 e 2007, interpretou Seu Elias Turco no Sítio do Picapau Amarelo, substituindo José Augusto Branco.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

CD “A5”, da Clara Comunicação, em homenagem aos 400 anos de São Luís



A Clara Comunicação participa das comemorações dos 400 anos de fundação de São Luís com alguns projetos culturais, como a gravação de CD com músicas maranhenses, publicação de um livro de fotografias de São Luís e apoio na produção de filme que conta, em desenho animado, a história da nossa cidade.

Hoje vou falar do projeto “A5”, que é o CD com uma antologia da música maranhense, que leva o selo da Clara Comunicação. São 20 canções de cinco dos nossos artistas: Carlinhos Veloz, Betto Pereira, Erasmo Dibell, Mano Borges e Chiquinho França. O disco abre com “Ilha bela”, de Carlinhos Veloz, que também canta “Viagem de novembro”, “Imperador Tocantins” e “Beija-flor”.

De Erasmo Dibell, o CD “A5” traz as músicas “Filhos da precisão”, “Vidente”, “Sarará” e “Beijo na boca”. Chiquinho França incluiu no disco as instrumentais “Fissura”, “Czardas”, “Apego a Upaon-açu” e “Dindinha”.

Betto Pereira participa do CD com as músicas “Toque de amor”, “Terecô”, “Mana” e “Ana e a lua”. E de Mano Borges o disco traz “Bangladesh”, “Você é tudo”, “Amagni” e “Ça va”.

O CD “A5” será lançado pelos artistas amanhã, dia 1o de setembro, na festa de abertura do show de Gilberto Gil, na Lagoa.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Quando tentamos despistar Sotero e a noite em que Zeca Baleiro desafiou Alceu Valença

A noite da Praia Grande pulsava com música, bares e movimentos culturais

Por Eduardo Júlio

A Praia Grande foi entregue restaurada no final de 1989. Foi o primeiro Centro Histórico reformado das capitais do Nordeste - antes do Pelourinho e do Recife Antigo. Quando a Praia Grande, que muitos insistem em chamar de Projeto Reviver (denominação dada pelo então governador Cafeteira para o projeto de restauração), foi entregue, a maioria dos prédios passou a abrigar repartições públicas ou bares e restaurantes. A vida por lá, portanto, era dividida entre a burocracia e o entretenimento.

Um dos bares era o Risco de Vida, de propriedade do jornalista Luiz Pedro, onde se apresentava, nas noites de quinta-feira, do ano de 1990, o então jovem cantor e compositor Mano Borges, acompanhado do percussionista paraense Luiz Cláudio. Os shows de Mano, naquela época, eram seguidos por um público fiel. Ele cantava músicas autorais e de compositores da MPB, principalmente Caetano Veloso. As suas apresentações no Risco de Vida varavam a madrugada e atraíam dezenas de universitários e intelectuais da cidade. Costumávamos sair da UFMA, depois das 18h, direto para o Risco de Vida. Na volta, cansei de penar na parada de ônibus ao lado do colega César Choairy, esperando o corujão do Calhau. Mas, aos 19 anos, desconforto não nos afeta.

Além dos shows de Mano Borges, o Risco de Vida foi palco, em 1990, de apresentações de Zeca Baleiro, antes de partir para São Paulo, e do gaúcho Vítor Ramil, que no período gozava de muito prestígio em São Luís, porque canções de seu disco “Tango” eram muito executadas na Universidade FM.

O referido bar ficava exatamente onde hoje funciona o sebo e livraria Poeme-se. Se não me engano, o Risco de Vida era um dos poucos estabelecimentos da Praia Grande que vendia chope. No atendimento, atuava Sotero, uma figura lúdica e enigmática, habitué da Praia Grande, querida por todos que frequentam ou frequentaram a área. Magrinho como um saddhu (asceta santo indiano), ele era conhecido por alguns moradores do Centro (Sotero mora na Rua da Saúde) pelo apelido de Ventania. Naquela época, além de trabalhar como garçom (já tinha passado pelo lendário Taipa, que chegou a ser administrado por Zé Maria Medeiros, idealizador de "A Vida é uma Festa"), era o maior criador de gatos persas de São Luís. Hoje, exerce a atividade de artesão, confeccionando coloridas bolsas de pano. Embora possua alma terna e zen, Sotero é bastante rígido nas suas convicções. Não come carne e todas as tardes, religiosamente, faz leituras de autores da melhor literatura mundial como Kafka, Sartre, Herman Hesse e Camus, sentado à beira-mar.
Sotero, um dos personagens marcantes da Praia Grande

Pois bem, certa noite de quinta-feira, eu estava no Risco de Vida na companhia do meu amigo e estudante de comunicação José Luiz Diniz – hoje, jornalista e servidor, como eu, de uma instituição pública. Diniz era conhecido por sua gentileza, inteligência, simplicidade e, principalmente, pelo rigor ético. No entanto, naquela disputada noite, depois de umas e outras, e de ter tentado pedir a conta por diversas vezes a Sotero, sem obter sucesso, ele, muito indignado, propôs que saíssemos sem pagar. Tomei um susto. Nunca esperei que Diniz fizesse tal proposta. E pior, não tive tempo de argumentar o contrário, pois ele foi logo se levantando da mesa com os livros na mão, dirigindo-se à porta de saída do bar, que, como já contei, lotava nas noites de quinta-feira. Fui atrás carregando a minha inseparável mochila. Quando demos os primeiros passos na rua, fomos surpreendidos por Sotero que, como um gato esguio, saltou à nossa frente, fechando o ângulo, e exigindo o pagamento da conta. Na época, reclamei com Diniz. Hoje, acho muita graça, pois, na verdade, foi divertido ter passado por essa.

DESAFIO

E as quintas-feiras do Risco de Vida eram tão apreciadas que, quando o bar fechou, Mano Borges resolveu fazer uma apresentação de despedida no bar Antigamente, que ficava na rua da Estrela e se distinguia do Risco de Vida por realizar som de barzinho ao ar livre. Então, nós fomos para a calçada do Antigamente conferir a performance de Mano sob as estrelas. Entretanto, naquela noite, ele seria ofuscado por Zeca Baleiro, ainda longe de se tornar famoso, apenas um talentoso compositor aguardando o momento de pôr o pé na estrada.

Enquanto Zeca Baleiro tinha sido convidado a subir no palco para dar uma canja, Alceu Valença passeava pela Praia Grande. O pernambucano observou o burburinho do Antigamente e parou. Daí, foi convidado a participar da apresentação, disputando um repente com Zeca Baleiro. Alceu estava em São Luís promovendo a campanha de Edison Lobão para governador e Zeca parecia revoltado por ele, um ídolo de todos, apoiar a campanha de um político conservador como Lobão. Por isso, no duelo, não perdoou Alceu, dando um banho de criatividade nas rimas e praticamente humilhando o rival com um texto contundente. Surpreso com a atuação de Zeca, o público vibrava a cada verso afiado do maranhense.

Há quem diga que o artista pernambucano não estava disposto a disputar nada. Outros afirmam que ele nem entendeu direito a provocação. O certo é que aquela noite marcou uma geração e pôs fim ao primeiro período da história da boemia da Praia Grande pós-restauro.

Este encontro inusitado é lembrado por muitos, inclusive por Zeca, que me confessou, em uma entrevista, que sempre teve curiosidade de saber se Alceu conseguia lembrar do episódio e relacioná-lo ao fato.
Eduardo Júlio e Axel Brito perambulando pelas ruas de Alcântara

terça-feira, 31 de julho de 2012

A DITA DURA da massa

Visita às instalações da futura sede do DCE, acaso a DITA DURA chegasse ao poder

Por Joelson Dutra

Das batalhas ideológicas travadas no campus entre 1991 e 1996, saltava aos olhos o debate dualista de retórica colérica e imprecisão focal desencadeado em meio a temáticas como abertura política, nova ordem mundial e - por que não ? - reformulação do cardápio do R.U., afinal nem só de sopa vivia o ser humano.

A grita democrática era geral e todas as lutas, legítimas e urgentes. Porém, a dinâmica caótica dos diálogos mostrava-se tão sedutora quanto uma dor de dente, desanimando e afastando levas de incautos acadêmicos recém chegados ao front.

No divertido relato de Eduardo Júlio – “Uma aventura estética ou o dia em que pichamos as paredes do Pimentão” - encontro o gancho ideal para falar do que talvez fosse, ainda seja e será o mais coeso movimento sócio, etílico, político, esportivo, econômico, lúdico, cultural, etc. da cidade, talvez do país ou quiçá do universo, A DITA DURA.

Infelizmente, por ausência de estudos mais aprofundados, esse fenômeno carece de números para demonstrar a abrangência, relevância e perenidade na vida dos que o experimentaram.

Para entender melhor a gênese de tudo, vamos a um rápido panorama do período acadêmico. O ano para a turma 1991.1 começava com greve geral. O retorno às aulas, meses depois, dava-se num ambiente ainda não tão favorável. Nossa professora de História da Comunicação, cujo nome me escapa, avisara, sem margem para choro ou vela, que deixaria a disciplina no momento da oficialização de sua aposentadoria - e assim o fez, horas depois. Assume então o coordenador do curso, Ruben Carranza Gutierrez, que prontamente decreta:

- Aqui tem sete temas de pesquisa. Dividam-se em grupos que eu retorno no final do período para apresentação.

Era isso ou perder o semestre e, para o bem ou para o mal, o processo criativo gerou, em forma de esquetes, sete pérolas de conhecimento encharcadas de humor, sarcasmo e contestação.

Obviamente, o barulho da criação não agradou a todos. Ironicamente, soubemos que teríamos muito mais do que quinze minutos de fama ao ver o professor de Ética vociferando pelos corredores da comunicação: “São uns inconsequentes e alienados” e “Conversaremos quando forem meus alunos”.

Preocupados, tanto quanto nos permitia a agenda de calouradas, partimos então para palcos maiores e, após a compilação do material, encaramos nosso primeiro ComunicArte. Sucesso de público e renda que produziu a química necessária para grandes parcerias no curso e na vida.

O Rei Papel e parte dos seus súditos da área Itaqui-Bacanga e do Japão

O núcleo sindical da DITA DURA

A ala gospel da DITA DURA: canções evangélicas para "levantar fundos"

A chegada da segunda turma de 1991 e o retorno da manada de dinossauros, devido ao fantasma do jubilamento, proporcionaram, além de uma série de descobertas, o encontro de figuraças, que mais pareciam personagens ficcionais, e o enriquecimento do já espesso caldo cultural do curso completando a seara de onde nasceria A Dita Dura.

Nos anos seguintes, longe da condição de calouros, seguimos derrubando presidentes e aclamando reis. A bem da verdade, é preciso ressaltar que rifamos apenas um único presidente, mas era o da República, aclamamos tão somente um rei, mas foi pra sempre, e A DITA DURA ainda não existia como movimento organizado. Apenas seguíamos o fluxo natural da história, teorizando sobre o cotidiano, elegendo “certezas”, disparando “verdades” e principalmente nos divertindo com as polêmicas e repercussões advindas desse exercício.

O carisma e a alegria do Rei Papel, de nascença André Álvares Fernandes da Silva, aumentou exponencialmente a curiosidade do campus sobre quem éramos e o que fazíamos. Com isso vieram também as cobranças. A principal: por que não direcionávamos nosso potencial pra algo mais produtivo como a conscientização política dos alunos?

Desafiados, deixamos o conforto do Bambu Bar para defender os ideais arduamente edificados em anos de rodas de “mau-mau”. Encontramos na campanha eleitoral do DCE o espaço ideal para conquista de novos domínios. Precisávamos então de um nome e das antigas histórias do amigo Raimundo Nonato, pai de Cláudio Marques, sobre seu tempo de estudante e sua chapa “Canoa - O Pau que boia”. Veio a inspiração necessária para o surgimento de A DITA DURA.

Sem nenhuma premeditação, assumíamos oficialmente a condição de inconvenientes críticos do sistema, inimigos públicos número 4.397 (as outras posições estavam ocupadas por interlocutores mais politizados), ao menos assim parecia ser a época.

Com um monarca, vários súditos e muitos conceitos a contestar, ridicularizar talvez fosse o termo mais apropriado, nos apresentamos para o embate político e como sempre a reputação do grupo – pasmem, tínhamos uma! - e o boca-a-boca fizeram o resto.

Novamente, na tentativa de ser fiel aos fatos, devo acrescentar que não sei se alguém formalizou a candidatura. Conhecendo os envolvidos, acredito que não, mas isso pouco importou pois as demais chapas já nos consideravam uma ameaça a ponto de uma delas formalizar uma proposta de coligação. Como naqueles tempos, entre os muitos “bichos-grilos” do movimento estudantil, algo mais fedia, além da burguesia cantada por Cazuza, reforçamos o desodorante e optamos pelo voo solo. À base de negativas como - “A DITA DURA NÃO coliga”, “A DITA DURA não junta forças” - e encerrando reuniões com “coligamos se vocês tomarem banho” - percebemos que não seria fácil trazer novos ares ao campus.

No melhor espírito do “vamos fazer”, onde de fato nada acontecia até o último minuto, víamos o tempo passar e concretamente nenhuma peça da campanha nas ruas. As bases de nosso programa político eram passadas de forma oral em bares, festas, confraternizações, obrigatoriamente apenas para quem perguntasse e, graças aos céus, o eleitorado tinha outros interesses.

Ocorre, porém, que nossa estratégia desencadeou uma onda de especulações sobre a virilidade da DITA, obrigando o grupo a abraçar a campanha e aplacar o furor popular.

Fácil descrever o dia em que sentamos pra produzir/distribuir todo o material da campanha. Difícil é dar crédito a todos os envolvidos sem cometer injustiças, por isso nem vou tentar confiando que tudo dará certo no final.

Permito-me, porém, fazer uma exceção pra falar de quem, pra mim, teve o grande insight da campanha viabilizando na prática o início dos trabalhos. Laurene Leite que, além da preciosa assessoria criativa, providenciou todo o material necessário para produção (papel, cartolina, cola, hidrocor, tesoura, revistas jornais, etc.), anulando desculpas e gerando mobilização. A nós, anônimos e famosos, coube alimentar a fogueira de ideias e materializar as mais impactantes.

Numa única tarde, às vésperas da eleição, ao redor de uma das mesas da Área de Vivência do campus, com fartos recursos humanos e materiais, começamos a escrever a história da mais arrebatadora campanha que a UFMA já viveu, ou não, como diz o ilustre baiano.

Muitos dos nossos cartazes poderiam figurar como cases de sucesso em campanhas eleitorais. Alguns caíram instantaneamente no gosto popular e alcançaram fácil o objetivo maior: fazer rir.

O cartaz com gráfico de intenção de voto mostrava que DITA DURA saía do papel, passava pelo mural, continuava parede acima até alcançar o teto.

Outro cartaz emblemático exibia a caricatura do nosso Rei Papel acenando para uma multidão de “populares” do quilate de Daniela Mercury, José Sarney, Roseana Murad e outros.

E também o cartaz em que grandes nomes da arte, música e literatura declaravam: “Sou mais A DITA DURA e Papel”.

Com a campanha na rua, os ideais da DITA DURA consolidados e a boca de urna acusando vitória esmagadora, só restava comemorar.

No final vencemos sem levar. Com aceitação total, descobrimos que, por vários motivos, inclusive por falta de inscrição, estávamos inelegíveis, contudo com 1 milhão de amigos, isso antes do facebook, e bem mais forte podendo cantar: “A DITA DURA não precisa de eleição”.

Isso me lembra que, na eleição para o D.A. de Comunicação, única que realmente concorremos, a comemoração foi maior ainda. A vitória iminente nos levou à articulação de planos que incluíam pedidos de recontagem de votos, anulação e até renúncia, mesmo sem local apropriado pra exilar o Rei. Mas isso é outra história.

Tempos felizes aqueles em que a diversão era boa e barata.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A ecologia da alma

“Ecologia e criatividade”, livro da Clara Editora que será lançado hoje na 64a Reunião Anual da SBPC, é um suspiro oportuno e verdadeiro com o qual Moisés Matias nos conta como atravessou o mar vermelho de suas inquietações vividas, de suas vicissitudes. O livro integra a trilogia iniciada com “Sítio ecológico, um guia para salvar a terra”, e que deve ser concluída em breve com “Ecologia e estresse”. De antemão, o leitor deve ser alertado: “Ecologia e criatividade” não é um manual de navegação para ambientalistas ou prontuário de autoajuda, mas uma peça para errantes, escravos do tempo, pessoas comuns, vítimas de cóleras digitais.

Não tem bula, mas é balsâmico. É o encontro do autor consigo mesmo, remoçado. Moisés Matias faz o caminho de volta às suas origens, à infância nos seringais do Acre, recria a passagem pelos Andes no Illimani até se deparar com o processo criativo que brota do contato com as pequenas coisas, no silêncio de Panakuí, o seu porto seguro. Panakuí representa para o autor a reinvenção da ecologia, a ecologia da alma que inspira sossego e abre as janelas da criatividade.

Depois de anos na guerrilha da notícia, no ativismo pagão, na carapuça partidária, Moisés Matias descobriu que “a pressa é inimiga da criação”. Para um jornalista de formação, isso é quase uma heresia. “Aos poucos fui saindo da mídia. Sumi para o mundo e fui atrás de mim, da minha essência”.

Didatismo ou escapismo? O autor acasala livremente simples soluções ambientais com dramas existenciais do cotidiano e retira daí o sal da terra para a sua saúde mental e física. Às vezes o professor fala mais alto, com suas lições e cavalgadas pelas colinas da teoria e pelo pântano das confissões científicas. É também o poeta em transe carregado por sensações, sonhos e pensamentos anotados no papel de pão. É o repórter involuntário, o colecionador de pequenas histórias, o fotógrafo no encalço das orquídeas e dos girassóis e o lavrador urbano.

Esse “ar avoado de quem está sempre ausente” empresta a Moisés Matias a capacidade de ruminar ideias com liberdade, o que o torna esquivo da ecologia cartesiana. O homem em crise, encoleirado pelo excesso de informação e problemas de saúde, encontra forças para dialogar livremente com o menino deixado para trás nas florestas acreanas, o agente da cura.

“Ecologia e criatividade” sugere ao leitor uma reflexão necessária sobre a velocidade dos dias. O livro não é a verdade derradeira, mas indica a linha do horizonte e dá pistas de como aproveitar, a cada segundo, os lampejos de inspiração, sem medo nem pressa. A criatividade, afinal, é como uma locomotiva desgovernada, sem freio. Para criar, é preciso imaginar a trilha.

Moisés Matias revela-se um ser sitiado na sua caldeira de emoções cotidianas, como quem descobre um baú de esperança no final do arco-íris. As páginas dessa ecologia são confissões de um ex-atormentado que descobriu a receita líquida da felicidade interna bruta.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

São Luís e Rio




Rio e São Luís têm similaridades - e também dessemelhanças. Na gente, na cultura, na cor da pele, na história, no batuque, na paisagem. E foi juntando pedaços das sutis diferenças de uma e de outra terra que Betto Pereira e eu fizemos, no Carnaval passado, a música “Maravilhosa”.

Interpretada por Betto e Anna Torres (maranhense talentosa radicada em Paris), “Maravilhosa” ganhou videoclipe especial produzido por Gabriel Steffens, videomaker, estilista e neto de Carmen Steffens.

Gabriel utilizou o clipe para divulgar no seu blog (www.gabrielspaniol.com.br) a grife de sapatos que leva o seu nome. 

domingo, 17 de junho de 2012

Prefiro Toddy ao tédio



Uma aventura estética ou o dia em que pichamos as paredes do Pimentão

Por Eduardo Júlio

O ano era 1993. Segundo o meu amigo e estudante de Ciências Sociais César Choairy, o Cesinha, um embate inédito acontecia na disputa pelo DCE da UFMA. Pela primeira vez, uma chapa – de fato - de direita, formada por estudantes de Direito, disputaria com os tradicionais grupos do PT e do PCdoB o comando da militância estudantil da Federal. César me disse, de forma imperativa: “Desta vez, não são somente grupos de esquerda, disputando entre si. Existe um perigo real do DCE ser tomado pela direita. Temos que fazer alguma coisa, Eduardo!”.

Entre os grupos de esquerda que disputavam o DCE naquele ano estava a chapa Contraponto, formada por filiados e simpatizantes do PT, liderada por Jorge Moreno, um notável e engajado estudante de Direito, que se tornaria um dos mais contundentes juízes do Maranhão - no momento, aposentado de suas funções. Sou grato até hoje por Jorge ter cedido a sua vaga num ônibus que levaria universitários do Maranhão para o Encontro de Arte e Cultura da UNE, em Ouro Preto, em 1993. Três dias de pura piração juvenil numa das cidades mais monumentais do país. Nunca esqueci daquele ato de generosidade, mas isso é um outro papo. Integravam também a Contraponto César e o meu grande amigo Elício Pacífico.

Outro grupo dessa margem do rio era o Começo do Fim, uma chapa meio niilista meio anarquista comandada por Ronaldo Rezende, estudante de Filosofia e uma das minhas grandes amizades desde os tempos do segundo grau no Colégio Meng. Embora cursasse Filosofia, Ronaldo se tornaria um dos mais fundamentados professores de História de sua geração, especializado em geopolítica internacional. Em 2001, ele morreria depois de lutar por alguns anos contra problemas renais.

Não lembro a denominação da chapa de direita nem o nome exato dos integrantes, mas a turma do PT chamava os caras de “cabeças de camarão”. Sei somente que um dos cabeças se tornou um famoso deputado estadual. Se eleita, a chapa provavelmente iria reprimir o consumo de maconha nos bosques do Campus do Bacanga. Na época, espaços muito apropriados e seguros para esse tipo de experiência.

Pois bem, num determinado dia, Cesinha teve a ideia de pichar as paredes do Pimentão, com frases de efeito, para despertar a consciência dos colegas para a ameaça de um comando de direita no Campus. Além, é claro, de propagar o nome da Contraponto como melhor alternativa. O Pimentão (atual CCSo) era o prédio que, à época, abrigava importantes cursos das áreas humanas e sociais, como Comunicação, Direito, Serviço Social, Pedagogia, Economia, Ciências Contábeis e Ciências Sociais. Para executar a ação subversiva, ele pegou emprestado o Chevette de sua futura sogra (por sinal, minha tia), que levaria, durante a madrugada, uma turma de militantes ao Campus, quando a área ficava vulnerável a ações do tipo.

Cesinha já era um parceiro meu em ações de terrorismo anarquista. Certa vez, sequestramos uma urna de uma eleição que escolheria um representante da UFMA para um congresso ou reunião da UNE. Aproveitamos um momento de descuido da mesária Márcia Coimbra - que logo cedo se tornaria uma das mais competentes jornalistas de São Luís – e levamos a urna para escondê-la no último andar do prédio numa sala do curso de Direito. Horas depois, devolveríamos a urna, após sermos dedurados, provavelmente, por algum agente secreto do DCE.

Mas, voltando ao dia da pichação, quando aceitei participar, tive uma outra ideia: iria aproveitar a oportunidade para escrever poemas de Ledusha, Chacal e Leminski nas paredes do prédio. Com isso, pouparia o Pimentão, a nossa segunda casa, de frases factuais e deselegantes.

Quando chegamos, tomei logo conta de algumas tintas e fui escrevendo os poemas. Escrevi logo um da Ledusha que parafraseia o russo Maiakóvski: prefiro toddy ao tédio. E veio outro do Chacal: é proibido pisar na grama/ o jeito é deitar e rolar. O do Leminski eu não me lembro. Quando alguns dos colegas militantes perceberam, ficaram indignados. Um deles questionou o que era aquilo que estava escrevendo. Eu respondi que eram poemas. Então ele disse: “Poemas??? Você é um alienado!!! Eu trepliquei afirmando que não iria discutir com alguém que nada sabia a respeito de poesia contemporânea.

Depois de uma troca de olhares furiosos, Cesinha, num exercício de elegante diplomacia, resolveu o problema, dividindo os territórios de ocupação, como na divisão da Alemanha no final da segunda grande guerra. Eu ficaria com as paredes do corredor do primeiro andar das salas de Comunicação e também com a pracinha, onde já tinha começado a escrever. Os reais militantes da Contraponto teriam direito a utilizar as paredes do entorno da cantina no segundo piso. Sinceramente, acho que levei vantagem naquela disputa.

As coloridas pichações com os poemas permaneceriam nas paredes do Pimentão por pelo menos quatro longos anos. Além dos poemas, eu desenhei o símbolo que ficou conhecido como o de paz e amor, muito usado na época da Guerra do Vietnã, que, na verdade, significa cessar bombardeio.

BIGAMIA

E o meu envolvimento nos fatos daquela eleição para o DCE não terminariam ali. Durante o tempo da campanha eleitoral, Jorge Moreno pediu o meu apoio à chapa Contraponto. Eu jamais negaria um pedido dele, um colega que tanto admirava, por ser uma dos estudantes mais dedicados da UFMA. No mesmo dia, o meu grande amigo Ronaldo igualmente pediu o meu apoio à chapa Começo do Fim. Também nunca negaria um pedido de Ronaldo, que considerava um irmão. Resultado: na semana seguinte, tanto o panfleto da Contraponto quanto o da Começo do Fim apresentaram meu nome como um dos apoiadores. O pessoal da Contraponto nem ligou, mas Ronaldo ficou profundamente magoado com a minha bigamia política.

No dia do debate, quando entrei no auditório da UFMA, que estava lotado, Ronaldo, coincidentemente, estava com a palavra e, ao me ver, vociferou, apontando para mim: “Não levem este cara a sério. Ele não passa de uma aventura estética!!!”. Nesse momento, todos me olharam. Eu estava ao lado das colegas Mirtes Gomes e Andréa Oliveira, ambas estudantes de Comunicação, e fui procurando rapidamente um lugar para sentar ou para me esconder na plateia, enquanto tentava desvendar o teor daquela afirmação, surpreendentemente, tão lúdica: “aventura estética”. Dias depois, Ronaldo viria se desculpar comigo e a Contraponto venceria a eleição.

Não me recordo em quem votei para o DCE em 1993. Talvez em algum grupo de rock inglês dos anos 70, como o Yes, o Pink Floyd e o Led Zeppelin (exatamente como fazia o meu amigo Geraldo Iensen) ou em algum poeta “maldito” já falecido, a exemplo de Cacaso, Paulo Leminski e Torquato Neto.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O homem e o seu tempo

Já escrevi outras vezes sobre o jornalista Pergentino Holanda, sempre com a acuidade de expô-lo verdadeiro, falível, temperamental, boêmio seletivo, viajante letrado, observador desregrado. Encontrei na caminhada o desbravador de museus mundanos, o inventor de fábulas e festas, o comendador acidental, o anônimo garimpeiro de sebos, o encantador de leitores, o esteta da gastronomia. Não alcancei, contudo, o homem e o seu tempo, eterno conflito, tumulto em construção.

Chegou aos 20 anos sem compromisso algum, com a calça boca de sino balançando ao vento leve. Aos 30 já era o homem-âncora da família, mergulhado nessa responsabilidade com que se envelhece 10 anos a cada 12 meses. Aos 40, bem sucedido e ainda mais comprometido com o que escrevia, já tinha 60 e era quase avô dos filhos dos seus irmãos. Aos 50 desacelerou, voltou a ter 40, carimbou mais vezes o passaporte, desligou o motor das pequenas vaidades e se enfiou na tempestade dos brechós de praças anônimas.

O indisfarçável frequentador da mesa 15 da Cabana do Sol não me deixa ver a idade que tem hoje. Dali daquele canto no salão superior do restaurante da Ponta do Farol, copo de uísque longo em dose dupla e muito gelo, ele dá boa noite a São Luís depois de passar a limpo na Redação o barulho das horas do dia. Flerta com a mesa do lado, insulta com o olhar a bolsa falsa da madame que chega com voz estridente, remexe a travessa de peixes frescos já refogados no azeite trazidos do interior por Luiz Carlos Cantanhede, fala ao celular com José Carlos Salgueiro, solta gargalhadas com as inocentes histórias do sertão de Régis Fialho e deixa mais alegre a noite de Ana Lúcia e Amaro Santana Leite.

Aos 64 anos ele não sabe mais a idade que tem, tantas vezes foi e voltou na esquina do tempo. Depois dos 40 parou de contar. O que me espanta é o que Pergentino Holanda faz do tempo. Como encontra hora para sair, viver, viajar e escrever? A receita é simples: para escrever, precisa viver, ser consumido pelo tempo e dele se abastecer da notícia balsâmica. É o jogo que involuntariamente pratica no cotidiano, como um aproveitador. É um perde-e-ganha sem medida.

Onde e quando arruma tempo para escrever suas belas crônicas publicadas aos domingos – ou a qualquer dia da semana, quando lhe dá na telha? Escreve com prazer para o jornal, se entrega na profundidade ou na superficialidade dos enredos. Mas não encontra força ou coragem – quem sabe tempo - para publicar o fardo das mirabolantes ideias num livro, ou nalguns livros. Já se vão mais de 40 anos da poesia estampada no varal de “Existencial de agosto”, a sua obra única, esquecida, inquieta no baú das memórias. Depois, o silêncio de outubros e a valsa de muitos maios.

Há no semblante de Pergentino Holanda uma idade que não se revela, desconfiada e desinibida ao mesmo tempo, velha e juvenil, afoita e assombrada. Nas atitudes, há o menino birrento, sarcástico, o tirador de sarro, o falatório inconsequente, o segredo compartilhado com a mais pura lealdade, o humanismo do berço, o pavio curto, a simplicidade do jogo de erros, a desenvoltura ingênua. Nas amizades que cativa e cultiva, Pergentino Holanda é o senhor dos anéis, das boas alianças, dos laços fortes, da fidelidade inescapável.

É blasé na música que ouve, no corte dos cetins que adornam as festas, nos acordes das orquestras tradicionais, nos programas do final de semana, nas vestes de marca, na discoteca de Mário Pseudo, no passeio completo, na camiseta-convite, no protocolo. E, para distrair a plateia, se reinventa no espelho, não como Dorian Gray ou um camaleão de photoshop, mas como quem não pode ceder ao luxo dos anos porque o trabalho não permite.

Os dias passam, sobem e descem colesteróis e triglicerídeos nas mesas da noite, e Pergentino Holanda se camufla na paisagem enquanto fita a bailarina do Boi Barrica ou quando no salão se deixa hipnotizar pelo bailado do violino. Quase ninguém o vê chorar, porque não faz concessões no seu estilo de viver para contar. Viver a tempo de contar.

(texto publicado originalmente no jornal "O Estado do Maranhão", no dia 27.05.2012)

terça-feira, 29 de maio de 2012

O dia em que Eduardo Júlio recitou Piva na praça

O almanaque virtuoso do campus, da universidade que ajudamos a embalar o futuro, é carregado de prazerosas histórias, muitos personagens, situações comprometedoras, fatos embaraçosos e episódios divertidos. Eduardo Júlio é um desses personagens da época, que com o texto abaixo expõe a babel das passeatas de protesto, dos palavrões de ordem e dos discursos improváveis. Estamos dialogando com um passado não tão distante, espalhando por aí peças de um quebra-cabeça sem fim, metafórico, na esperança de pisar outra vez o chão da velha academia. Não estamos sós. Por enquanto somos eu, Alessandro Lamar, Marcelo Barros e agora Eduardo Júlio. E tenho recorrido eventualmente, na construção dos capítulos de “Amor sem revolução”, à memória (e ao acervo fotográfico) de alguns amigos, como Wal Oliveira, Márcio Jerry, Eri Castro, Dimas Salustiano e Ademar Danilo, Mas O Redemoinho (oredemoinho.blogspot.com) está de portas abertas para quem mais vier a se alistar. Leia. (Félix Alberto Lima)


O dia em que declamei Roberto Piva na Deodoro

Por Eduardo Júlio

A exemplo de vários jovens da minha geração, participei de diversas passeatas no final dos anos 80 e começo dos 90. Desde a inesquecível campanha de Lula (ainda radical) em 1989 até o impeachment de Collor em 1992, perdi a conta de quantas vezes caminhei pelas ruas do Centro de São Luís, entoando palavras de ordem, carregando bandeiras, sendo mais um na multidão.

Reivindicávamos um Brasil melhor e mais justo, coisa séria, mas havia um imenso prazer naquelas manifestações. Confesso, fui um militante hedonista. Afinal, naqueles tempos de profundo ócio criativo e poesia, estava a compartilhar a alegria, a descontração e o entusiasmo, que só existem no auge da juventude. E ninguém podia perder essa...

Eu, Eduardo Júlio, Moisés Matias, Elício Pacífico, Karina Macieira e Cadmiel Júnior num desses eventos universitários fora do eixo Itaqui-Bacanga

Além de tudo, o mundo estava em plena transformação com a abertura democrática na América Latina e a derrocada do comunismo na Europa Oriental. Na área da música pop, o rock ainda tinha muito fôlego, com a explosão do grunge nos ouvidos e mentes dos jovens do Ocidente.

Uma das passeatas da qual participei – acredito que ocorreu nos idos de 1992, talvez, inclusive, tenha sido a primeira do movimento Fora Collor na cidade (ainda sem os caras-pintadas) – saiu numa tarde do Campus do Bancanga até o Centro de São Luís. Uma pernada de cerca de quatro quilômetros debaixo do sol quente. Mas, naquele período da vida, tudo era motivo de festa e diversão e ninguém se intimidava ou desistia de participar.

Eu era estudante do curso de Comunicação Social da UFMA e naqueles dias mantinha um estreito laço com os colegas de Ciências Sociais, que por um triz não cursei. Estavam lá Cinthia, Eliane, Ana Cristina, Cláudio (meu grande amigo pernambucano, responsável por memoráveis festas em seu apartamento no Bequimão), Cleids (brutalmente assassinado recentemente) e Elício. Este último estudava Economia. No caminho, Darcimeire, a atual Dadá Coelho, uma das atuais celebridades do humor nacional, ainda desconhecida como estudante de Jornalismo, entrosava-se com os militantes de carteirinha, puxando o coro das palavras de ordem. Queria ter fotografado esta cena.

Foto de Eduardo Júlio tirada em Belém (PA) durante encontro de profissionais e estudantes de Ciências Sociais, com Ana Joana Coimbra e Cleids no primeiro plano

Mas o melhor para mim ainda estava por vir. Quando chegamos à Deodoro, depois de mais ou menos uma hora de caminhada, o militante do PT e estudante de Comunicação, Marlon Botão, convidou-me para participar dos discursos no palanque. Como já disse, não consigo recordar exatamente o que reivindicávamos naquela passeata, só lembro que aceitei subir por um único motivo: seria uma oportunidade de recitar o manifesto intitulado “Biles, bules e bolas”, que adorava e sabia decorado, um dos textos mais implacáveis do poeta maldito paulista Roberto Piva.

O problema é que Marlon acreditava que eu, um pretenso anarquista libertário - na época leitor de Leminski, Caio Fernando Abreu, Fernando Gabeira e Roberto Freire - representava em São Luís o movimento anarquista estudantil, cujos militantes “pintavam o sete” nos congressos da UNE. No entanto, quase nada tinha a ver com aquela causa articulada. Embora possa concordar com a maioria das propostas de anarquistas clássicos como Bakunin, Proudhon e Kropotkin, nunca fui, na prática, leitor deles. Ainda tentei explicar isso, mas Marlon insistiu e fui parar no palco. E aí recitei o manifesto de Roberto Piva para a multidão que ocupava uma parte da Deodoro. O texto diz assim:

Nós convidamos todos a se entregarem à dissolução e ao desregramento. A vida não pode sucumbir no torniquete da consciência. A vida explode sempre no mais além. Abaixo as faculdades e que triunfem os maconheiros. É preciso não ter medo de deixar irromper nossa alma fecal. Metodistas, psicólogos, advogados, engenheiros, patrões, químicos, cientistas, contra vós deve estar o espírito da juventude. Abaixo a segurança pública, quem precisa disso? Somos deliciosamente desorganizados e usualmente nos associamos com a liberdade.

No palanque, estavam representantes do PT, do PCdoB e do PSB. Embaixo, uma imensa maioria de estudantes. Com o manifesto do Roberto Piva, eu ingenuamente esperava ser ovacionado por meus colegas universitários, como acontecia nas mesas dos bares que frequentava, mas o que vi foi uma multidão perplexa e silenciada, além de algumas poucas vaias. E ainda durante a minha explanação, o então líder do PCdoB no Maranhão, Marcos Kowarick, exclamou puto da vida: “Tira esse louco daí!!!”

O trecho “Abaixo as faculdades e que triunfem os maconheiros”, que tanto me fazia rir de felicidade, pelo que tem de deboche, rebeldia e subversão, foi demais para o ego da militância acadêmica. Acho que os colegas se sentiram ofendidos.

Desci do palanque meio atordoado e fui correndo, sem vergonha e sem culpa, para perto de meus colegas das Ciências Sociais. Depois, fomos tomar umas e ouvir muito rock' n’ roll (era tempo de “Nevermind” do Nirvana e de outros discos inesquecíveis da era grunge) no apartamento de Eliane, bem pertinho dali, na Vila Inah Rego.

No dia seguinte, soube que o meu discurso amorteceu a manifestação, que teria perdido parte do entusiasmo. E durante uma semana ainda topei com os colegas estudantes nos corredores da UFMA questionando aquilo que tinha declamado.

domingo, 13 de maio de 2012

Nem maio nem agosto

Os pais não são amados como deveriam, com aquela intensidade desmedida que merecem. Em qualquer lugar, em qualquer casa, fica sempre a impressão de que faltou mais carinho, mais beijo no rosto, mais afago, mais afeto dos filhos, mais olho no olho. Ficamos devendo. E essa fartura de compreensão só nos alcança, invariavelmente, quando eles se vão. Sim, eles se vão um dia! Esses pais que amamos tanto - e contra quem nos revoltamos em certos instantes da vida, em ligeiros surtos de imaturidade ou autossuficiência – têm prazo de validade. Muitos deles têm asas, mas são de carne e osso. Falíveis anjos da guarda.

Não nos falta amor, é verdade. Mas amamos de menos porque estão ali à nossa volta, no nosso encalço, a nos defender das tocaias do mau olhado, do quebranto, a nos proteger a moleira. Amamos de menos porque – ingenuamente acreditamos – jamais vão nos deixar. E porque nos amam demais, nos excedemos na falta de atenção, nas respostas malcriadas, na indiferença. Há nos filhos a autoconfiança de que perdão de pai e mãe não demora. Não demora mais que uma chuva. O perdão vem de braços abertos e com um sorriso largo para embrulhar o sentimento de culpa. É aquela culpa cristã que nunca houve, mas que os pais cultivam a pretexto de assumir um pecado que não é e jamais será deles no julgamento celestial.

Olhando pra trás – e é difícil olhar no retrovisor antes dos 30 anos – fica a sensação de que faltou o abraço demorado nos pais. Faltou um cinema no domingo com direito a pipoca, jujuba e caramelo. Faltou aquela viagem de férias pra passear de mãos dadas pelo parque. Faltou paciência para compreender as rabugices naturais dos pais quando eles passam dos 60 anos. Faltou coragem pra dizer mais vezes “eu te amo”, todos os dias da vida. Faltou tempo!

Faltou tempo para perceber que a vida é pouca pra se abrir mão da felicidade. Esquecemos de reconhecer, ao longo da caminhada, que os pais têm sempre razão. E mesmo quando não têm, eles são a própria razão. No mínimo, a razão da nossa existência!

Faltou ternura. E mais cabeça no colo para um cafuné depois do almoço em família. Será que toda aquela cumplicidade foi suficiente? Sequer ouvimos juntos todas as músicas que falavam da gente. Assistir ao futebol de domingo no mesmo sofá ficou escasso. Todo aquele cheiro foi pouco.

E nada será o bastante para se cuidar do nosso amor primeiro. De verdade. O amor de pai e de mãe, esse amor que se confunde, embaralhado, sem gênero ou RG. Um e outro, nem maior nem menor. Nem maio nem agosto. A vida inteira.

sábado, 12 de maio de 2012

Jomar na banda larga


Jomar Moraes, depois de muita resistência, está aos poucos se familiarizando com o mundo da informática. Para quem o conhece de perto, isso é quase uma revolução.

Numa dessas visitas à rua dos Abacateiros, no Renascença, acabei convencendo-o a ceder à tecnologia, e Jomar conta agora com um notebook de última geração na sua mesa de trabalho.

Logo de início, a convivência com o equipamento não foi nada amistosa. Desconfiado, Jomar olhava para o computador, resmungava, maldizia os efeitos da cibernética até deixar a geringonça ali esquecida num plano secundário da velha biblioteca.

E assim seguiu por uns dias, sempre recorrendo à sua surrada e boa Remington, a máquina fiel que nunca o deixou na mão na datilografia de suas dezenas de livros já editados e das crônicas que publica semanalmente no jornal O Estado do Maranhão.

Mas um dia Jomar percebeu que o notebook não é coisa do outro mundo como ousou desconfiar durante muito tempo. Percebeu, por exemplo, que naquele pequeno computador cabe todo o acervo da sua biblioteca e ainda mais alguns livros da biblioteca do vizinho e do quarteirão inteiro.

Entendeu, enfim, que pela internet pode matar a saudade e visitar, a qualquer hora do dia ou da noite, o museu de Quito ou o arquivo ultramarino de Lisboa.

Em boa hora, Jomar reconheceu o valor necessário da correspondência instantânea e já admite a possibilidade de, quem sabe amanhã, vir a ter um endereço eletrônico.

No facebook ele acha que não se enturmaria muito facilmente, porque, afinal de contas, nunca foi um homem de curtir ou compartilhar de maneira fortuita. Vivido e passado na casca do alho, Jomar Moraes sabe que, pra comentar ou cutucar, só quando estritamente necessário.

E, no mais, embora esteja apenas degustando o primeiro mel de cabaça na lua de mel com a internet, timidamente desconversa se alguém lhe atribui fama (ou perfil) de tuiteiro.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Pistolagem, crime organizado e política

Em 26 de março de 2000, ainda como correspondente em São Luís do jornal “O Estado de São Paulo”, publiquei reportagem especial sobre pistolagem, crime organizado e política. Eram os tempos de ressaca de CPI, do medo que tomava conta do Maranhão, das prisões de pessoas influentes, dos abusos de autoridade de parlamentares federais, dos holofotes da imprensa, da cobertura nacional e da multiplicação na venda dos radinhos de pilha.

A reportagem fez parte de um caderno especial coordenado pela repórter Mariana Caetano, que traçou uma radiografia de poder e política no Maranhão.

Doze anos depois, os ventos da pistolagem e do crime voltam a soprar sob o céu do estado. O caso mais recente e emblemático foi o assassinato do jornalista Décio Sá, no dia 23 de abril, uma noite de segunda-feira na movimentada avenida Litorânea. Investigação sob sigilo, denúncias de vazamento de informação, nenhuma pista concreta do mandante do assassinato e muita especulação nos bastidores. Resta uma nuvem de mistério no ar.
Leia a reportagem.

Dados indicam ação do crime organizado na política

O Sindicato dos Bancários do Maranhão avalia que parte da renda de
assaltos a banco no Estado tem sido utilizada no financiamento de campanhas eleitorais. A participação de políticos e agentes públicos no comando do crime organizado maranhense - escancarada nas investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pela Assembléia Legislativa - levou o sindicato a preparar uma pesquisa sobre o roubo a instituições financeiras nos últimos quatro anos.

"Os dados indicam que os assaltos a banco e o valor roubado em anos eleitorais crescem muito", explica o presidente da entidade, Ubirajara do Pindaré. "O roubo a banco parece ser uma espécie de reciclagem das tradicionais fraudes eleitorais - é o uso da pistolagem e do crime para manutenção ou ampliação do poder."

O recorde de assaltos ocorreu em 1996, quando foram eleitos os atuais prefeitos e vereadores. O levantamento, feito no ano passado, registrou 55 roubos e outras 3 tentativas em 1996. O total desviado chegou a R$ 2,5 milhões. No ano seguinte, o número de ocorrências não alcançou nem a metade. Foram 18 assaltos, que somaram R$ 1,4 milhão.

Curiosamente, os crimes contra instituições financeiras em 1996 concentraram-se no período pré-eleitoral, entre abril e julho. A média de dois assaltos nos meses de janeiro, fevereiro e março subiu para 7 em abril e chegou a 9 em julho. Na eleição seguinte, os assaltos concentram-se em maio (4), junho (5) e dezembro (5).

O resultado do levantamento foi encaminhado à CPI estadual e à CPI do Narcotráfico, da Câmara dos Deputados. "Mas ainda não tivemos uma resposta", afirma Pindaré. "Discutimos esses dados com vários partidos e todos mostraram-se assustados - são indícios muito fortes, mas agora está claro que estamos mais vigilantes para isso."

Providências - O relator da CPI do Crime Organizado, deputado Jomar Fernandes (PT), conta que o relatório do Sindicato dos Bancários foi anexado ao documento final da Comissão e encaminhado à Gerência de Justiça e Segurança, ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça. “Os dados do relatório são apenas indícios sem provas, mas fiz questão de apresentar as denúncias em audiência pública na Assembléia Legislativa.”

O gerente de Justiça e Segurança Pública, delegado Raimundo Cutrim, explica que o relatório está nas mãos da polícia e as investigações sobre o crime organizado continuam. “Não se pode dizer que o assalto em ano eleitoral é uma simples coincidência, mas é difícil hoje chegar a uma conclusão segura sobre o assunto.”

Em 1998, ano da eleição de governadores, deputados e senadores e do presidente, o volume de roubos voltou a crescer e chegou ao maior valor desviado: R$ 4 milhões em 27 assaltos, além de 7 tentativas frustradas. No ano passado, o número de ocorrências caiu novamente. Foram 17 assaltos e 3 tentativas. O produto estimado dos roubos foi de aproximadamente R$ 500 mil.

Em 1999, o Maranhão começou a passar a limpo o envolvimento de integrantes de Executivo, Legislativo e Judiciário com organizações criminosas no Estado. Auxiliado pela CPI do Narcotráfico e pelas investigações da Gerência de Justiça e Segurança Pública, o trabalho da CPI local resultou na cassação de dois deputados estaduais, na prisão de dois prefeitos e no afastamento de um juiz.

Como saldo das investigações, 60 pessoas estão presas aguardando julgamento e há 30 mandados de prisão para serem cumpridos. Fazem parte da lista dos prisioneiros “ilustres” os ex-deputados estaduais José Gerardo de Abreu e Francisco Caíca, os ex-delegados Almir Macedo e Luís Moura e o empresário Joaquim Felipe de Sousa Neto, o Joaquim Lauristo. Também presos, o ex-deputado estadual Hemetério Weba e o prefeito Aveny Pacheco, de Amapá do Maranhão, já estão em liberdade.

Em três meses de trabalho, os deputados desarticularam quadrilhas que agiam na sombra da imunidade parlamentar e sob a proteção de alguns setores da Justiça. No currículo dos envolvidos com o crime organizado há assassinatos, roubos de cargas e carretas, chacinas, tráfico de drogas, porte ilegal de arma e uso de pistas de pouso clandestinas. “Terminamos apenas uma etapa do trabalho”, diz o deputado Jomar Fernandes. “É provável que surja uma nova CPI.”

O começo - Os primeiros indícios da existência de uma organização criminosa no Estado apareceram em 1995. O então delegado Stênio Mendonça começou a investigar uma quadrilha que negociava carretas e drogas nas fronteiras do País. Dois anos depois, o delegado foi assassinado por pistoleiros supostamente contratados pelo empresário Joaquim Lauristo. Os matadores chegaram a ser presos e dias depois, por descuido da polícia, também foram assassinados numa “queima de arquivo”.

Lauristo foi preso em junho de 1997, ganhou habeas corpus de presente e desapareceu. O empresário foi localizado dois anos e meio mais tarde no interior do Tocantins, e hoje está preso no quartel da Polícia Militar, no mesmo pavilhão onde estão Gerardo e Caíca.

As denúncias sobre uma possível conexão entre quadrilheiros do Maranhão, Acre e Alagoas e da cidade de Campinas (SP) foram feitas pelo motorista e assaltante Jorge Meres. Depois de ouvir Meres, a CPI do Narcotráfico realizou sessões especiais na Assembléia do Maranhão, mandou prender delegados, prefeitos e ex-deputados e ganhou aplausos da população.

“Com essa devassa em gente importante, o Maranhão está menos doente”, avalia o aposentado Francisco Cantanhede. A população, diz, teve um exemplo de moralidade com a CPI. A governadora Roseana apoiou publicamente os trabalhos.

O gerente Cutrim afirma que os assaltos a bancos diminuíram nos últimos meses, como conseqüência das investigações. “Este ano, houve apenas um assalto no interior.” Na capital, até a primeira metade de fevereiro, foram registrados três roubos, que somaram R$ 116,4 mil. Segundo ele, não houve em 2000 registro de roubo de carretas em estradas maranhenses. “Isso nos leva a crer que as organizações criminosas foram banidas do Maranhão.”