quarta-feira, 29 de junho de 2011

Maio oito meia (4) - Enterrando os primeiros fantasmas

O corte epistemológico vaticinado por Althusser nas aulas de Teoria da Comunicação abriu a fenda entre os livros oficiais apreciados ainda na escola e a literatura arejada, deliberadamente desgovernada, encontrada nos corredores, emprestada de mão em mão ou vendida nos sebos e bancas a preço módico. Era lendo "Utopia e paixão", do escritor e psicanalista Roberto Freire (com Fausto Brito), que meninos e meninas desabrochavam para o movimento estudantil na universidade. O velho anarquista vendia livros como água pelo campus. Tinha uma pegada proposital para cutucar jovens em início de vida acadêmica, atormentados com tanta ciência e filosofia no lombo. Fazia dos títulos dos livros uma deliciosa provocação: "Viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu", "Sem tesão não há solução", "Ame e dê vexame" e por aí vai.

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domingo, 26 de junho de 2011

Maio oito meia (3) - O rito de chegada

Brasil Novo, Plano Cruzado, velho clientelismo, preços congelados, explosão do consumo. O rock brazuca pulsava dentro e fora das universidades. A fumaça tomava conta da Área de Vivência do campus do Bacanga enquanto as calouradas se multiplicavam pelas sextas-feiras do semestre. Era o meu primeiro período de Economia, escolha pouco iluminada que tomou quase três anos de vida acadêmica, talvez alimentada pela boa lábia de Dílson Funaro, João Sayad, Edmar Bacha e pelo choro copioso e terno de Maria da Conceição Tavares. Confesso que insisti, e havia tolerância recíproca – um pacto de mediocridade sem firma reconhecida -entre mim e os professores Orlando Furioso, Magalhães, Flávio Farias, Benjamim, Eliseu e tantos outros alcançados pelo meu desencanto tardio.

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sexta-feira, 24 de junho de 2011

Maio oito meia (2) - No templo das provações

Aquele homem de chapéu de palha, mal vestido, pele suada e gestos largos falava diferente. O timbre da voz e o discurso eram diferentes. Uma oitava acima, falava com emoção sobre campesinato, reforma agrária, sangue na luta pela posse da terra, grilagem e revolução. Bem articulado, usava as palavras mais simples, às vezes desconexas, e tropeçava na gramática, mas ganhava a plateia pelo discurso inflamado. Setembro de 1985. O Grêmio Estudantil Coelho Neto, do Colégio Marista, convidara alunos de outros escolas para o debate com os candidatos à prefeitura de São Luís. Era a primeira eleição para prefeito com o carimbo da Nova República, depois de 20 anos de regime militar. Na plateia do auditório do Marista estavam secundaristas ávidos por embates, informação e festa.

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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Maio oito meia (1) - No templo das provações

Caía uma chuva leve no Campus e revolução já não havia naquela segunda metade dos anos 80. O Brasil atravessava a década da melancolia pós-ditadura, da falta de bandeira, da rebeldia sem causa, da fragilidade dos discursos, do bacanal político, da insolência roqueira no Planalto Central, da tempestade em copo d'água nas praças e ruas. Era uma outra luta, agora sem o chumbo das armas, pelos direitos humanos à luz do dia, nas fábricas, no trabalho, no consumo, no comportamento.

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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Testemunha afirma que foi coagida por delegado




EDISON LUIZ
FÉLIX ALBERTO LIMA
O Estado de São Paulo
18.06.1999

Prefeita diz que policiais a ameaçaram, na frente de Campelo, para forçá-la a depor contra ex-padre

A prefeita pefelista de Belágua (MA), Rosalina Costa Araújo, confirmou ontem que foi coagida moral e fisicamente pelo delegado João Batista Campelo, atual diretor-geral da Polícia Federal, para depor contra o ex-padre José Antônio de Magalhães Monteiro, em 1970. Segundo Rosalina, os policiais, na frente de Campelo, diziam que iriam “esbofeteá-la” e um deles chegou a apertar seu braço tentando fazê-la confessar que Monteiro era subversivo.

Ela contou que o atual diretor da PF, que assistia a tudo sem nada fazer, modificou todo o seu depoimento para comprometer o ex-padre, que acusa o delegado de tê-lo torturado. “Nada do que eu disse na PF estava no inquérito”, disse a prefeita, que foi arrolada como testemunha de acusação de Monteiro.

Rosalina não gosta de falar muito sobre sua prisão, ocorrida no mesmo dia que a de Monteiro. Segundo relatou, os policiais federais, comandados por Campelo, interceptaram seu carro quando ela ia de Urbano Santos a São Luís, obrigando-a a voltar para o município, onde o ex-padre seria preso horas depois. “Monteiro estava algemado mas, em nenhum momento, vi seus pulsos feridos, como diz o delegado Campelo”, explicou Rosalina. O diretor da Polícia Federal assegurou que os ferimentos em Monteiro teriam sido causados pelas algemas. “Elas estavam até frouxas”, acrescentou Rosalina.

A prefeita parece esconder algo mais grave que possa ter ocorrido no interrogatório de uma hora a que foi submetida. “Não gosto de lembrar disso”, desconversou, alegando que não recordar mais dos acontecimentos. Sua filha Laura, de 27 anos, entretanto, confirmou que alguma coisa ainda permanece oculta. Como a mãe, preferiu não falar, mas chorou ao lembrar daquilo que supostamente seja fato. “O delegado Campelo era um homem duro, grosseiro”, admitiu Rosalina, assegurando que, por algumas vezes, ele permitiu que seus agentes gritassem com ela e até mesmo lhe apertassem o braço, tentando arrancar uma confissão.

“Eu falava que não sabia de nada, e eles [os policiais] afirmavam que, caso não contasse a verdade, seria pior”, comentou Rosalina. Segundo ela, o que impediu uma agressão maior por parte dos três policiais que estavam na mesma sala de Campelo foi a presença de sua família, que a aguardava no primeiro andar do prédio onde ficava a Polícia Federal. Entre os seus parentes, estava o coronel Eduardo Mota, um cunhado. “Se minha família não estivesse lá, talvez eu teria sido agredida”.

Reconhecimento – Rosalina contou que até hoje não sabe porque foi arrolada como testemunha de acusação contra Monteiro, já que não tinha ligação com o ex-padre. Ela era tabeliã do cartório de Urbano Santos. “Campelo me disse que, caso eu não falasse que Monteiro era subversivo, iria perder o meu cartório”, recordou. “Só fui tomar conhecimento do que havia assinado na PF depois que o caso já estava na Justiça Militar”, acrescentou a prefeita, hoje com 66 anos.

As afirmações de Rosalina coincidem com a conclusão tirada pelos juízes da Auditoria da 10ª Região Militar, que inocentou o ex-padre por falta de provas. Segundo a sentença proferida em outubro de 1970, dois meses depois da prisão de Monteiro, os juízes confirmaram que os depoimentos das testemunhas revelam a coação física e moral pela qual passaram durante a fase do inquérito. Os auditores asseguraram, ainda, que o inquérito havia sido feito de forma errada pelo delegado Campelo.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Testemunha da tortura – entrevista com o bispo Dom Xavier Gilles


FÉLIX ALBERTO LIMA
O Estado do Maranhão
16.06.1999

O bispo dom Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges, do município de Viana (MA), a 240km de São Luís (MA), mostra-se inconformado com a nomeação do delegado João Batista Campelo para o comando da Polícia Federal. Dom Xavier Gilles é formado em Teologia e Filosofia na França, foi ordenado padre em 1962, na cidade de Le Mans, e chegou ao Maranhão em 1963. Em entrevista a “O Estado”, dom Xavier nega que tenha participado de guerrilhas na Argélia, quando serviu ao exército francês, e confirma as denúncias de tortura sofridas pelo ex-padre José Antônio de Magalhães Monteiro. “Estive preso com o padre Monteiro e pude ver as marcas e as escoriações deixadas pela Polícia Federal. O bispo afirma que só não chegou a ser torturado na prisão porque o então arcebispo de São Luís, dom João Mota, fez sérias advertências ao delegado da PF.

Como foi sua experiência na Argélia? Há alguma ligação sua com guerrilhas da Frente de Libertação, como o acusaram na época da ditadura?

Dom Xavier Gilles - Como todo mundo sabe, [aquele período] era a guerra de independência da Argélia. Havia a Frente de Libertação Nacional tentando conseguir a independência da Argélia. A França considerava aquele país como território nacional. Não tenho nenhuma participação em guerrilhas. Não é nada disso. Apenas a polícia federal me acusou de ter participado de centros de treinamento de guerrilhas com a Frente de Libertação Nacional da Argélia. Coisa absolutamente falsa, quando na verdade eu era do exército francês e não da FLN.

Como aconteceram as prisões sua e do ex-padre Monteiro?

Dom Xavier Gilles – Fomos nomeados, eu e o Monteiro, respectivamente, pároco e vigário paroquial, em Urbano Santos e São Benedito do Rio Preto. Chegamos juntos em maio de 1960. Começamos a fazer um trabalho de pregar a palavra de Deus, organizar as comunidades eclesiais. O trabalho era fazer a ligação entre o trabalho e a vida. E aí olhávamos para outros aspectos, como a situação agrária e a vida dos trabalhadores. Havia muita injustiça. Com as comunidades, denunciamos algumas injustiças. Refletíamos sob a luz do Evangelho essa realidade agrária.

Vocês dois foram acusados pela polícia de estarem envolvidos em atividades subversivas?

Dom Xavier Gilles – A fé, o testemunho e a mensagem de Jesus Cristo invertem os valores da sociedade. A sociedade se firma nos valores ter, poder e prazer. E Jesus disse: “Seja misericordioso, acolhe o teu irmão, liberta o pobre das cadeias da escravidão”. Havíamos recebido da igreja uma missão. Não havia, portanto, como parar uma missão recebida por nós sacerdotes só por medo.

Vocês receberam ameaças antes da prisão?

Dom Xavier Gilles – Um pouco. Por causa de problemas agrários no Maranhão. Muitas vezes, os verdadeiros proprietários de terra são expulsos por gente que trafica nos cartórios e até na justiça, que consegue títulos de propriedade que não deveria ter. Então, recebemos ameaças desses falsos proprietários de terra. Só não chegamos a ser ameaçados diretamente pela polícia.

O que exatamente associava o trabalho de vocês à subversão?

Dom Xavier Gilles – Não havia nada nas cartas que nos comprometesse como subversivos. Quando o padre Monteiro foi preso, por exemplo, levaram junto a escrivã Rosalina [Rosalina Costa Araújo], de Urbano Santos, sem razão nenhuma. Talvez apenas porque ela não era do mesmo lado político do pessoal que tinha feito as denúncias contra nós. E a Polícia Federal, sem verificar nada, prendeu essa escrivã, acusando-a de ser secretária da Paróquia. Vai perguntar por que, naquela época, o João Batista Campelo fazia isso, por que razão ele monta um processo sem sentido.

Qual a alegação da Polícia Federal para a sua prisão?

Dom Xavier Gilles – Éramos vigários juntos. A polícia invadiu a Casa Paroquial, o padre Monteiro foi trazido para São Luís e torturado. Rapidamente a polícia viu que não poderia acusar o padre Monteiro, que era vigário auxiliar, sem me acusar. Então foram atrás de mim. O arcebispo de São Luís, que era dom João Mota, foi falar comigo e disse que era preciso eu me entregar porque o processo do padre Monteiro estava bloqueado. Os motivos de minha prisão só fui saber algum tempo depois. Diziam que era por causa da Lei de Segurança Nacional.

Vocês dois ficaram presos na mesma cela?

Dom Xavier Gilles – Só depois de terminar o inquérito. Fomos, depois de terminar o inquérito na Polícia Federal, presos os dois no quartel da Polícia Militar, no atual Convento das Mercês. Foi o Campelo quem fez tudo. Era ele o delegado da Polícia Federal. Ele e o agente faziam as perguntas. Ficamos três semanas na mesma cela.

E com relação às torturas?

Dom Xavier Gilles - Eu não fui torturado. Mas o padre Monteiro foi torturado, sim. Vi tudo logo depois, as marcas, as escoriações e, principalmente, o laudo tanto dos médicos do Estado como do médico do arcebispado, que era o padre João Mohana. Os laudos provam as torturas. Cheguei a ser forçado a provar coisas sem nexo.

E por que só o padre Monteiro foi torturado?

Dom Xavier Gilles – O padre Monteiro foi preso 48 horas antes de mim. Foi trazido para São Luís, interrogado e torturado. A polícia percebeu que não podia acusar o padre Monteiro sem me acusar, pois eu era pároco dele. Tínhamos o mesmo escritório, a mesma biblioteca, as mesmas finanças. Então ele me prendeu. Quando me entreguei, fui acompanhado à polícia pelo arcebispo dom Mota. Ele, como já sabia das torturas ao padre Monteiro, disse à polícia que estava entregando o padre Xavier em bom estado físico e mental. Então, o delegado Campelo perguntou: “O que o senhor está querendo dizer?”. E dom Mota respondeu: “O senhor sabe muito bem o que estou querendo dizer”. Jornalistas, que muitas vezes criam coisas, inventaram na época que não fui torturado porque fui oficial do Exército. Mas nada disso. Não fui torturado porque as torturas ao padre Monteiro foram denunciadas rapidamente e o arcebispo reagiu. Foi graças à lucidez de dom Mota.

O delegado João Batista Campelo assumiu ontem o comando da Polícia Federal. Como o senhor avalia essa nomeação diante das acusações de tortura?

Dom Xavier Gilles – Fico profundamente triste com a nomeação de um homem com o passado como o dele. Num momento como este, mais do que nunca o País precisa de uma Polícia Federal honesta. Fico chocado, mas não posso fazer absolutamente nada. Os testemunhos de um ex-padre e professor de universidade e de um bispozinho lá do interior do Maranhão, para o presidente da República isso e nada são a mesma coisa. Antes de nomear, o presidente já sabia disso tudo e nomeou João Batista Campelo assim mesmo. O próprio presidente, que foi perseguido pelo regime militar, nomeia quem o teria torturado se ele tivesse preso.

Cartas, SNI, igreja e subversão

FÉLIX ALBERTO LIMA
O Estado de São Paulo

Em ofício encaminhado ao então presidente Emilio Garrastazu Médici no dia 12 de setembro de 1970, o então presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Agnelo Rossi, confirma que “o padre José Antônio de Magalhães Monteiro sofreu realmente torturas e maus tratos, quando esteve detido na Polícia Federal”.

De acordo com o documento, a constatação se baseia não apenas no depoimento de Monteiro, mas nos laudos médicos e em circunstâncias curiosas, como “proibição ao arcebispo de São Luís de falar com o padre durante a detenção, a posição arrogante das notas divulgadas pela Polícia [Federal] e a referência a algemas que explicariam as escoriações nos braços do sacerdote”.

Dom Agnelo Rossi mostrava-se também surpreso com a afirmativa da Polícia de que “o padre Xavier Gilles de Maupeou participara de guerrilha na Argélia”. A presença do sacerdote na Argélia, segundo o ofício da CNBB, fazia parte de uma missão do governo da França, “na qualidade de oficial do Exército francês”.

O documento de Agnelo Rossi pede, por fim, providências para que seja evitada a divulgação de notas, por parte da Polícia Federal, que ponham em dúvida a conduta de “pessoas merecedoras de respeito”, numa alusão ao caso dos padres Xavier e Monteiro.

Nota oficial - Em uma das notas divulgadas pela Polícia Federal sobre o episódio da prisão dos padres José Antônio de Magalhães Monteiro e Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges, o então subdelegado regional do DPF no Maranhão, João Batista Campelo, faz questão de afirmar a importância da repressão no combate de atividades subversivas.

Em nota divulgada no dia 26 de agosto de 1970, o subdelegado explica didaticamente à opinião pública que “o que se procura é impedir, prevenir e reprimir, dentro dos postulados da Constituição do Brasil, dos Direitos do Homem, da Lei de Segurança Nacional, os crimes cometidos contra as nossas tradições e costumes”.

Campelo contesta as acusações, na época, do envolvimento da Polícia Federal com tortura. “São infundadas. Tais manifestações visam tão-somente confundir a opinião pública e ao mesmo tempo aliciá-la para que se volte contra a Polícia Federal”.

A nota da subdelegacia confirma o laudo expedido pela Divisão Médica da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão sobre a ausência de lesão corporal no padre Xavier Gilles. O subdelegado, porém, faz questão de transcrever tecnicamente os dados do laudo referente a José Antônio Monteiro. “Constataram escoriações no terço interior do antebraço esquerdo de dois centímetros de extensão por um de largura, e do antebraço direito de um centímetro de extensão por um e meio de largura”. A conclusão da nota da Polícia Federal é quase patética: “Isto demonstra que os suplícios e torturas que os inimigos do nosso regime nos acusam não passam de uma velha tática comunista de sensibilizar os menos avisados”.

Os menos avisados, no caso, eram os leitores da nota que, devido à imposição da censura na época, não tomavam conhecimento, pelos jornais, do que se passava nos porões da ditadura militar.

SNI - A prática de subversão dos padres José Antônio Monteiro e Xavier Gilles estava associada basicamente a correspondências, envolvendo os sacerdotes e amigos, confiscadas pela Polícia meses antes da prisão.

Um relatório do Serviço Nacional de Informações (SNI), datado de 20 de outubro de 1970, esboça de forma cronológica o “crime” cometido pelos padres. O relatório é uma espécie de prestação de contas do general Carlos Alberto da Fontoura, chefe do SNI, ao padre João José da Motta e Albuquerque, arcebispo de São Luís.

Em uma das cartas anexadas ao relatório do SNI, um remetente que assina apenas como Bernardo (provavelmente padre) fala a José Antônio Monteiro de um seminário de estudos políticos que estaria acontecendo em Meruoca, no Ceará. “O movimento tomou uma nova linha de ação que não será mais aquela linha reformista, mas sim uma linha de ação revolucionária, uma ação no engajamento, em prioridade nos meios de produção”, diz a carta.

As oito correspondências anexadas ao relatório são criteriosamente analisadas pelo chefe do SNI. “O teor das cartas permite deduzir, com segurança, que os padres José Antônio de Magalhães Monteiro e Xavier de Maupeou têm ideias socialistas e estão comprometidos com o chamado movimento progressista da igreja”. Segundo a avaliação do general Fontoura, os amigos de Monteiro “vão aos lugares-comuns das lutas pela libertação do povo oprimido e da contestação política”. Pela análise do chefe do extinto SNI, a correspondência “deixa ainda claro que as ideias socialistas estão bastante infiltradas entre os seminaristas do Nordeste”.

A tortura, o jornalismo e a queda do delegado

No dia 15 de junho de 1999, há exatamente 12 anos, o então presidente Fernando Henrique Cardoso empossara o delegado João Batista Campelo como diretor-geral da Polícia Federal, numa cerimônia relâmpago, que gerou um grave problema de imagem para o governo tucano. No centro da crise estava o ex-padre maranhense José Antônio de Magalhães Monteiro que, ao ouvir rumores da provável nomeação na PF, resolveu abrir a caixa-preta que escondia certos segredos da carreira policial de Campelo.

Monteiro contou que fora torturado por Campelo em 1970 durante interrogatório na subdelegacia da Polícia Federal em São Luís (MA). A confissão do ex-padre abriu o apetite da imprensa sobre o assunto. As informações de Monteiro foram ratificadas inicialmente pelo bispo de Viana (MA), dom Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges, em entrevista publicada no jornal “O Estado de São Paulo” e reproduzida no jornal “O Estado do Maranhão”. As denúncias de tortura ao ex-padre também foram confirmadas pela então prefeita de Belágua (MA), Rosalina Costa Araújo, em reportagem especial publicada com chamada de capa no “Estadão”. Rosalina admitiu pela primeira vez, depois de 29 anos de silêncio sobre o episódio, que fora coagida moral e fisicamente pelo delegado Campelo a prestar depoimento acusando Monteiro.

E o que pesava sobre o maranhense? Monteiro, ao lado de dom Xavier, era tido pela Polícia Federal como integrante da ala progressista da Igreja Católica, responsável por acobertar “movimentos subversivos” pelo Nordeste, o que em tese representava uma ameaça ao regime militar. O trabalho das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) era acompanhado de perto pelo aparelho repressor do Estado. Por ter servido ao exército francês, dom Xavier foi acusado pela polícia de participar da guerrilha que encampou a Frente de Libertação Nacional da Argélia.

Monteiro e Xavier foram vigários na mesma paróquia de São Luís. Após o cerco do regime, ambos ficaram durante três semanas presos na mesma cela, no quartel da Polícia Militar, no atual Convento das Mercês. Monteiro foi detido primeiro, e provavelmente torturado antes da prisão de Xavier. Contra os padres, segundo contou em entrevista dom Xavier, a PF alegou a Lei de Segurança Nacional. Xavier escapou da tortura graças à intervenção do então arcebispo de São Luís, dom João Mota, que já havia constatado escoriações em Monteiro.

José Antônio de Magalhães Monteiro, que é irmão do presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Luís, Leonardo Monteiro, mesmo morando fora do Maranhão, não deu trégua à nomeação de Campelo para o posto principal da Polícia Federal. De Viana, Dom Xavier Gilles também deixou o silêncio de lado e levantou a voz contra a sombra da tortura. Por pressão da imprensa e da opinião pública, João Batista Campelo foi defenestrado do cargo três dias após a posse.

Quem eram os torturadores?


Todos os documentos que deram origem ao projeto e ao livro “Brasil: Nunca Mais” estão de volta ao Brasil, depois de alguns anos mantidos no exterior pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e pelo Center for Research Libraries (CRL). O acervo foi montado numa ação clandestina durante os primeiros anos da década de 1980 para identificar violações aos direitos humanos durante a ditadura militar brasileira. A repatriação do acervo foi anunciada oficialmente nesta terça-feira, dia 14, em ato público organizado pela Procuradoria Geral da República da 3ª Região, em São Paulo.

Os documentos foram enviados aos Estados Unidos por cautela, para evitar que informações importantes sobre a história recente do País – inclusive inúmeras provas e evidências de tortura - fossem confiscadas e até mesmo destruídas por agentes ou grupos ligados ao regime militar. Todo o material foi digitalizado e o acervo reúne 707 processos do Superior Tribunal Militar, um milhão de cópias de documentos e 543 rolos de microfilmes.

“Brasil: Nunca Mais” foi idealizado pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright, e desenvolvido entre 1979 e 1985. Durante seis anos, uma equipe de 30 pesquisadores vasculhou toda a documentação militar de uma das fases mais sombrias da história política do País (1961 a 1979). Uma síntese da pesquisa foi editada pela Vozes e resultou no livro “Brasil: Nunca Mais”, lançado em 15 de julho de 1985, quatro meses depois do início da fase de abertura política no Brasil.

E o que o Maranhão tem a ver com esse período nebuloso de torturas, desaparecimento de presos políticos, perseguição e morte? Vamos falar sobre isso mais adiante.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Letra no forno

Há de tudo na prateleira da internet. É preciso saber apreciar. O tempo é uma fortuna. Para fugir do variado cardápio de iguarias indigestas, recomendo o Cuscuz Delivery (cuscuzdelivery.blogspot.com), blog do jornalista Reinaldo Barros. O texto tem sabor e abre o apetite para a informação despretenciosa.

Reinaldo Barros escreve sobre temas variados - vai da literatura à política com insuspeitada desenvoltura, por exemplo -, sempre com uma linguagem picante, às vezes ácida, como pedem os bons banquetes na oferta de sabores da blogosfera. Não, ele não é mais um blogueiro ofegante atrás do furo jornalístico. Tem maturidade o suficiente para deixar que outros brinquem por aí de pega-pega.

Cuscuz Delivery é prato cheio para quem tem fome de inventividade.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O lamento das toadas, a alegria dos batalhões


O São João não é exatamente a festa da carne, como é o Carnaval na sua essência. Mas em terra onde quem rodopia sorrateiro é o boi, a carne não pode ser reduzida a uma simples alegoria. Quando o pandeirão se agita em noite de guarnicê, o couro treme e o pêlo eriça. No apito final da festa (São Marçal, capítulo 30, mês 6, versículo do meio-dia, bairro do João Paulo) a carne se expõe e, sob o sol, a pele vira do avesso. Homens tocam o tambor como se fosse a última vez, a mão sangrando, a avenida em transe.

Mas o rito do boi está apenas começando. O mês de junho anuncia a fé do povo nos santos que rezam na cartilha da cultura popular maranhense. Santo Antônio faz o casamento da tradição com os apetrechos da modernidade, link entre o pretérito perfeito e o acolá indecifrável. São João, do alto do seu paiol de crendices, arrenega a escuridão e acende a fogueira em praça pública. Fiat lux! São Pedro faz chover no piquenique eletrônico das boates e dos shows de música baiana, mas mantém a chama/trama que nasce no riscar das matracas, renascimento temporão do fogaréu primata.

As festas juninas do Maranhão transitam entre o singular e o plural, linha tênue entre a língua do boi e a multidão. Um vaqueiro aprisionado no visgo que separa o curral do arraial. Comer a língua é uma mistura de propósito, pretexto e desejo de Catirina, a mulher engravidada por Francisco. No fundo, ela pressente a ressurreição da carne. Vaqueiros amotinados fazem a pajelança em volta do boi morto-vivo que perdeu a língua. O fazendeiro ouve de longe a batida dos chocalhos. O novilho desperta e a fazenda em festa dança. O que era língua agora vira sotaque.

O colorido papel de seda encobre de luz o céu da cidade. São Luís é um carrossel de bandeirinhas espichadas no cordão. Cheiro que sai da pólvora nas bombinhas de rua. Canutilhos na paisagem. Cenário que nasce dos batalhões de gentes simples, herança das raças que não se regra nem mesmo nos tempos de sequidão do pote oficial. Foco no maracá! Amo e toada juntos, público à espreita. Anônimos que se transformam em amos, senhores que ganham vida no meio da noite junina.

O maranhense se rende todos os anos aos personagens que fazem a história do bumba-meu-boi, capítulo especial da nossa cultura popular. Fusão de etnias que mexe com o imaginário coletivo. Vai começar o bumbar do bombo que se estende até a mais alta hora da madrugada. Nas praças, nos bairros, nos terreiros. Humberto, Chiador, Chagas e tantos outros que fazem do lamento um canto de esperança; que com a voz sentida fazem tremer o chão e a alma. A eles, a nossa reverência.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

No lugar dos casarões coloniais, estacionamento para veículos

Dando continuidade ao projeto Redemoinho do Tempo, hoje trago reportagem que publiquei no jornal “O Estado de São Paulo” no dia 28 de maio de 2000. O tema, embora pauta velha nas redações dos jornais de São Luís, continua atual, pois os desabamentos de casarões coloniais no Centro Histórico da cidade são recorrentes a cada novo período invernoso. Hoje o problema é mais grave do que ontem, afinal os proprietários de imóveis do Centro usam a artimanha do descaso para, a pretexto das chuvas fortes, transformar aquilo que um dia foi parte significativa da nossa história – o patrimônio arquitetônico - em área de estacionamento para carros.

Onze anos depois de publicada a reportagem (com fotos de Ariosvaldo Baêta), a frota de veículos de São Luís dobrou, e hoje já são mais de 260 mil automóveis circulando pela cidade que tem um milhão de habitantes. Algo próximo de um carro para cada três pessoas. Muita máquina para pouca rua, rua estreita, rua frágil para tanto peso. Muito veículo para pouca vaga de estacionamento. Resta um negócio rentável em qualquer ruína onde outrora foi uma morada. Leia.


Descaso ameaça casarões históricos de São Luís

Em menos de 15 dias, dois casarões do Centro Histórico de São Luís desabaram e pelo menos 25 prédios tombados pelo Patrimônio Mundial estão ameaçados de ruírem devido ao precário estado de conservação. As chuvas fortes do período de inverno na região têm contribuído para os riscos de desabamento.

O sítio arquitetônico da cidade, de origem portuguesa, é formado por 3.500 imóveis remanescentes dos séculos XVIII e XIX, dos quais 1.200 casarões foram tombados, em 1997, pelo Fundo das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) como Patrimônio da Humanidade.

Os representantes dos órgãos públicos que fazem a conservação e manutenção do acervo arquitetônico alegam que os prédios estão desmoronando porque foram abandonados pelos seus proprietários. Os desabamentos podem incluir São Luís na lista dos Bens Mundiais em Perigo, da Unesco, o que pode resultar na suspensão do título de Patrimônio da Humanidade.

O coordenador do Departamento de Patrimônio Cultural do Maranhão, engenheiro Luiz Phelipe Andrès, diz que o poder público tem impedimento legal para agir em algumas situações de risco. “Muitos imóveis são de particulares e em alguns deles há casos de heranças com pendências judiciais.” No Ministério Público Federal há 30 ações cíveis que exigem de proprietários e do Instituto do Patrimônio e Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a recuperação física dos imóveis.

O último casarão a desabar foi o da rua Humberto de Campos, em uma das praças mais movimentadas da cidade. O acidente ocorreu na madrugada do último dia 15. Em janeiro de 1999, o prédio foi interditado pela Defesa Civil, que retirou “à força” a octogenária Vitória Perez, única moradora do local. Hoje morando em casa de parentes, Vitória diz não acreditar que a sua casa caiu.

A governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), em visita aos escombros do casarão, reagiu ao descaso dos empresários que possuem imóveis no Centro Histórico. “Fico indignada e lamento pela insensibilidade de algumas pessoas.” Ela informa que o Governo do Estado está investindo R$ 22 milhões em infra-estrutura, instalação de redes de energia e restauração de casarões e monumentos históricos.

Alguns dos imóveis da área tombada pela Unesco estão ocupados irregularmente e são habitados, em regime de condomínio, por famílias de baixa renda. Um sobrado colonial chega a abrigar em média 10 famílias, além de pequenas lojas na parte térrea. Os moradores temem por novos desabamentos, mas dizem que não têm para onde ir. “Não podemos recuperar o prédio; alguém precisa fazer isso por nós”, admite o aposentado João Francisco da Silva.

A elevação da taxa do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para a área do Centro Histórico, com possibilidade de benefícios e isenções para os proprietários que preservarem os imóveis, é uma alternativa apontada pela coordenadora do Iphan, Sílvia Leal. “É uma saída quase compulsória, mas que pode amenizar o problema.” Os prédios tombados têm área ampla, o que faz com que as obras de recuperação tenham um custo elevado. A maioria dos moradores não tem condição de arcar com reformas, que precisam ser orientadas e fiscalizadas pelo Iphan.

O empresário Carlos Gaspar, descendente de portugueses e dono de dois imóveis que já ruíram no Centro Histórico, discorda da alternativa apontada pelo Iphan. O Maranhão, segundo ele, tem a taxa mais elevada de IPTU do País. “O Iphan proíbe qualquer tipo de reforma na estrutura dos imóveis, o que dificulta a funcionalidade de um prédio nos dias de hoje”, reage. Gaspar diz ainda que o poder público não tem um projeto que garanta retorno aos empresários que possuem imóveis na área do Centro Histórico. “É difícil investir em infra-estrutura sem saber o retorno.”

PROJETOS DE REVITALIZAÇÃO

A parte mais significativa do conjunto de casarões coloniais de São Luís, localizada na área conhecida como Praia Grande, teve sua restauração concluída em 1990, com recursos repassados pela administração do então presidente da República, José Sarney. No mesmo período, as atividades econômicas da cidade começaram a migrar do Centro para os bairros da região litorânea, onde foram construídos shoppings e modernos prédios residenciais.

O arquiteto Gustavo Martins Marques explica que as migrações foram motivadas pelas dificuldades de acesso dentro da área do Centro Histórico. Na área da Praia Grande, todas as ruas são interditadas para veículos, o que, na opinião do arquiteto, enfraquece o comércio e cria problemas para os moradores. “O abandono começou por causa dessas dificuldades.”

Os desabamentos de casarões, de acordo com o levantamento do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) e Defesa Civil, estão associados ao abandono da área. Marques apresentou um Plano Diretor à Prefeitura de São Luís há um ano no qual aponta os problemas de acesso e propõe intervenções na infra-estrutura e programas de desenvolvimento urbano e econômico para o Centro.

O Governo do Estado e a Caixa Econômica Federal estão desenvolvendo um projeto que cria núcleos habitacionais no Centro da cidade. O objetivo, na opinião dos técnicos do Departamento de Patrimônio Histórico, é revitalizar a área e inibir o abandono dos imóveis. Inicialmente serão utilizados cinco prédios do Governo do Estado.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Nos subterrâneos do Teatro Arthur Azevedo


Um dos lançamentos mais recentes da Clara Editora foi o livro “Cantriz, a formiguinha cantora”, de autoria da jornalista Francesca Carvalho. A obra, com ilustrações de Marcelo Soares, conta a história de uma formiga que morava com a família no porão do Teatro Arthur Azevedo e tinha como um dos seus principais sonhos a carreira de artista.

O livro é destinado ao público infanto-juvenil e tem narrativa envolvente. A saga de Cantriz retrata a principal casa de espetáculos do Maranhão, que esta semana comemora 194 anos, com uma linguagem lúdica e sob o olhar buliçoso dos insetos. Cantriz recorre ao parceiro Joanito que encoraja a pequena formiga a subir ao palco do teatro para mostrar o seu talento de cantora.

Depois de uma tentativa frustrada, certa noite de espetáculo, com casa cheia, Cantriz finalmente alcança o microfone com a ajuda da mariposa Mariponga. A música que sai do microfone solitário no palco encanta a plateia. Mas a dona da voz não consegue ser vista. Cantriz não se deixa abater e vai continuar cantando o resto da vida pelos formigueiros mais famosos do mundo.

No livro “Cantriz, a formiguinha cantora”, Francesca Carvalho funde sonho e realidade, obstinação e conquista. Personagens e ícones da cultura maranhense são entremeados na escalada triunfal da pequena cantora. Mas Cantriz não é candidata a celebridade nem tem planos para o alpinismo musical. O idílio da protagonista, segundo a autora, está no simples ato de cantar. É da convivência quase diária no teatro com expoentes da música maranhense, como Papete, João do Vale, Alcione, Beto Pereira, Cláudio Pinheiro e brincantes do Boizinho Barrica, por exemplo, que Cantriz encontra entusiasmo para soltar a voz.

Francesca Carvalho é maranhense, formada em Jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão, e minha amiga de infância desde os tempos do Dom Bosco. Começou a escrever estórias infantis em 2001, atiçada pelo desejo e a curiosidade de uma sobrinha. O livro pode ser adquirido diretamente com a autora, pelo email cantrizs@yahoo.com.br.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Afinal, qual o destino dos maranhenses do campo?

No dia 28 de outubro de 2001, o jornal “O Estado de São Paulo” publicou um caderno especial sobre a miséria no Brasil e exemplos de política social no país. Na condição de correspondente do jornal, fiz uma reportagem (com fotos de Geraldo Furtado) para o caderno enfocando a situação peculiar do Maranhão: um estado pródigo em recursos naturais com uma população rural dedicada quase que totalmente à produção agrícola de subsistência. Dez anos depois, o quadro não é muito diferente. Conformismo? Acomodação? Falta de incentivo ao setor primário? Como agem os prefeitos diante da situação? Afinal, qual o destino do maranhense do campo?

Começo hoje, com esta reportagem, uma série de escavações de textos perdidos ao longo do tempo.

A roça da subsistência

Um dos principais problemas enfrentados pelo homem do campo no Maranhão é o seu isolamento socioeconômico. Distantes do mercado e sem acesso a programas de melhoramento das técnicas agrícolas, os trabalhadores rurais produzem o suficiente para a subsistência. Quando a produção ultrapassa o limite da subsistência, o agricultor negocia o excedente conforme as demandas do período, invariavelmente por preço abaixo do que é praticado no mercado.

Em Nambuaçu de Baixo, povoado do município de Rosário, a 75 quilômetros de São Luís, a lavoura é praticamente a única fonte de ocupação e renda para cerca de 70 famílias. O agricultor Raimundo Leite Marques, de 53 anos, casado e com cinco filhos, desfruta dos benefícios da energia elétrica que chegou recentemente ao povoado. O fio de alta tensão que passa sobre a casa de taipa e coberta de palha serve de esperança para “um futuro diferente” na vida da família de Marques.

Com o plantio de mandioca, milho, arroz e legumes, o agricultor garante a alimentação da mulher e filhos. “Nada sobra para vender”, diz ele, resignado. “Aqui me considero feliz, pois tenho saúde para trabalhar e não devo nada a ninguém.”

Maria Helena Pereira, de 54 anos, viúva e mãe de sete filhos, começou a trabalhar na lavoura aos 10 anos, quando passou a ajudar o pai no cultivo de produtos como abóbora, milho, arroz e mandioca. A busca pela sobrevivência fez com que Maria Helena sacrificasse os estudos. Na comunidade onde a agricultora mora há duas escolas, mas ela não sabe ler nem escrever. “Meus filhos só vão para a roça nas férias; não quero prejudicar o estudo deles”, diz.

Maria Helena afirma que dois de seus filhos estão recebendo o auxílio do Bolsa Escola, cada um no valor de R$ 30. No povoado de Campo Grande, município de Axixá, a 100 quilômetros de São Luís, o lavrador Feliciano Gomes, de 59 anos e 13 filhos, diz que não conta com apoio de nenhuma instituição para desenvolver o seu trabalho na roça.

“Aqui a gente trabalha somente para comer e não pode contar com nenhuma outra ajuda”. Segundo Feliciano, em Campo Grande o único benefício público é a energia elétrica que, além de chegar às casas, é usada para colocar a fábrica de farinha em funcionamento. Ele explica que quando a produção de mandioca é boa, o excedente é transformado em farinha. O lavrador calcula que produz 30 quilos de farinha, em média, a cada dois dias. “Dessa forma a gente vai conseguindo viver e esperando por outros benefícios”.

Repasses – Dos 217 municípios do Maranhão, 81 foram criados em 1995 por interesses eleitorais. O desmembramento de cidades levou o Estado a descentralizar a administração pública com a criação de novas prefeituras. Estas quase nada arrecadam em tributos e vivem basicamente de repasses dos Fundos de Participação dos Municípios (FPM) e de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef).