terça-feira, 13 de novembro de 2018

Um olhar sobre o Brasil de agora



Antes de mergulhar na leitura de Comunicação & Justiça – Dilemas da cidadania na sociedade contemporânea, desconfiei, pela elasticidade do título, que iria deparar com um caudaloso tratado jurídico ou, quem sabe, um meticuloso agrupamento de pequenas teses de inspiração acadêmica. Mero engano. Logo na primeira leitura encontrei um ambiente leve, didático, sem o formalismo do meio por onde transita o autor da obra. E esse ambiente estendeu-se por todas as páginas, não obstante a aridez premente em alguns temas abordados ao longo dos capítulos.

O livro de estreia de Antonio Carlos de Oliveira, experiente jornalista que dirige com zelo e talento a assessoria de comunicação social do Tribunal de Justiça do Maranhão, é, em verdade, uma oportuna agenda de temas caros à sociedade brasileira. São artigos lúcidos e bem delimitados que, embora já publicados na imprensa do Maranhão, não se perdem no tempo e no espaço.

A obra de Antonio Carlos dialoga, sem vícios de pedantismo, com a política, a cidadania, a justiça e a responsabilidade social. O autor faz uma análise acurada dos efeitos da inteligência artificial nos meandros do Judiciário, cotejando com parcimônia benefícios e assombros da tecnologia como ferramenta de trabalho.

A transversalidade é a tônica do livro. Está presente, por exemplo, na abordagem sobre a judicialização da política e a separação dos poderes. Antonio Carlos remonta o enredo que elevou ao protagonismo o Judiciário no atual cenário de crise política e institucional no Brasil.

Evita a análise rasa para enveredar em assuntos complexos. Para isso, recorre aqui e ali a elementos da história ou fundamenta os seus argumentos em recortes de Platão, Aristóteles, Montesquieu, Rui Barbosa, Monteiro Lobato, John Locke, Cesare Beccaria e Carlos Drummond de Andrade, só para citar alguns nomes do direito, da filosofia e da literatura.

Ao abordar o tema da violência contra as mulheres, Antonio Carlos ensaia uma verdadeira aula de sociologia e história. Sobre o quadro de iniquidade a que está exposta a mulher, o autor assevera que o Brasil contribui para a “feroz exclusão do gozo das mais básicas garantias”. O Fundo Partidário é classificado por ele como privilégio antirrepublicano, uma artimanha da política para espoliar o erário. Os partidos nadam em dinheiro fácil, enquanto a massa sofre afogada nas limitações de serviços públicos básicos.

A corrupção, na avaliação do autor, é prima-irmã da imunidade parlamentar – quando esta tem a sua finalidade desviada. O político utiliza-se da imunidade para cometer crimes e continuar circulando livremente por aí, como se invisível fosse.

As fake news, os falsos perfis na internet e a pistolagem cibernética transformaram os meios digitais, segundo Antonio Carlos, em um campo minado, uma terra de ninguém. Na agenda de Comunicação & Justiça estão também artigos sobre como a economia naufraga no oceano da politicagem; os transplantes ilegais; a democracia combalindo pela ameaça da política do clientelismo; a liberdade de expressão; o excesso de leis; o grampo ilegal e muitos outros.

Antonio Carlos de Oliveira é jornalista de formação, mas escreve com conhecimento de causa sobre matérias menos objetivas que o jornalismo: ora empunha a pena como um verdadeiro operador do Direito, ora expõe suas ideias como um cientista político na infalível tarefa de esmiuçar o tecido social do Brasil. “São milhares de sobreviventes da clausura compulsória, que por trás de grades, contidos em leitos, andam por pátios de instituições envelhecidas, mostrando o retrato fiel de um sistema medieval e desumano”, alerta ele em capítulo sobre a situação dos confinados “invisíveis”.

Comunicação & Justiça é uma madura compilação de pontos de vista do autor. O leitor poderá até discordar de um ângulo ou outro alcançado pela lente de Antonio Carlos, mas não da narrativa que ele oferece, sempre segura e envolvente. É uma obra aberta que sugere reflexões sobre essa encruzilhada institucional e ideológica de um país em torpor.