domingo, 28 de abril de 2013

O garoto e seu cavalo prateado


Lembra do Carlinhos? A última década do milênio passado tem um pouco da história do Carlinhos. Foi nos anos 90, na escalada de maturação da Constituição de 1988, que se começou a falar com mais entusiasmo de cidadania e meio ambiente, dos direitos da criança, do adolescente e do consumidor e do respeito aos idosos. Do respeito a muitos Carlinhos.

Em 1997 apareceu Carlinhos na tela da TV girando num carrossel do parque de diversões. A televisão rodava junto com Carlinhos e o Brasil não era mais o mesmo. O mundo não era o mesmo. Porque tudo acontecia ao mesmo tempo e em quase toda parte. Carlinhos era a aldeia em movimento, em ebulição. O que poderia ser apenas mais uma propaganda bem feita para uma instituição cheia de boas intenções acabou se transformando no ícone de uma geração meio sem rumo, assombrada com a profusão de mudanças sociais e tecnológicas.

Carlinhos não falava nada no comercial da TV. Nem precisava. Apenas girava galopando em seu cavalo prateado enquanto a música “Fake plastic trees”, de uma quase desconhecida banda britânica Radiohead, nos deixava atônitos no sofá da sala fitando o rodopio do garoto que de tão vivo parecia tão feliz. E ali ele era a felicidade.

As legendas falavam lentamente no compasso da música do Radiohead. Espetavam a alma num jogo duvidoso. O comercial falava de um Carlinhos e mostrava dois garotos no carrossel. Os dois nas mesmas cenas em preto e branco enquanto o letreiro advertia: “Carlinhos vai à escola todos os dias. O amigo dele, não”. Um dos meninos em cena era portador da Síndrome de Down; o outro, não. A propaganda se propunha basicamente a pregar o respeito aos portadores de Down, sem panfleto ou proselitismo oficial. Diferentemente dos comerciais de sabonete ou sabão em pó, a mensagem fazia o público pensar. Era provocadora.

A legenda continuava: “Carlinhos faz natação todos os dias. O amigo dele, não”. Ninguém sabia qual dos dois era o Carlinhos, apesar das suspeitas do senso comum. “Carlinhos tem aulas de piano. O amigo dele, não”. E vinha a revelação, enquanto a câmera fechava no garoto com Síndrome de Down: “Ei, este é o Carlinhos”. Em seguida a câmera enquadrava o outro garoto com a seguinte legenda: “E este é o amigo dele. Ele é um menino de rua”. O comercial chegava ao fim com o letreiro: “Milhares de crianças no Brasil precisam de sua ajuda. Os portadores da Síndrome de Down só precisam do seu respeito”. E o arremate: “Down, a pior síndrome é a do preconceito”.

O filme publicitário, contratado pela Fundação Síndrome de Down, foi criado pela agência DM9DDB e figura hoje como uma das peças mais marcantes e populares da propaganda brasileira. A música “Fake plastic trees”, que fala da fraquezas humanas ante as superficialidades da matéria, de amores artificiais, ainda hoje é cultuada como a trilha sonora do Carlinhos. O desfecho da letra, “se eu pudesse ser quem você procura o tempo todo”, é a senha de uma geração que, ainda bem, não encontrou o eixo. A banda Radiohead, que cedeu os direitos da música para uso no comercial da Fundação Síndrome de Down, vendeu discos aos borbotões e ganhou uma legião de admiradores no Brasil.

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