quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Boi de Pindaré e os 50 anos de uma toada que rompeu preconceitos



Antes cultuados apenas como objeto de estudo e admiração por intelectuais, professores e artistas, os cordões de bumba meu boi passaram a ocupar um lugar de destaque no cenário da cultura do Maranhão em finais da década de 1960. Mas foi no ano de 1972, com a gravação do LP Bumba meu boi sotaque de Pindaré, no Rio de Janeiro, que a manifestação rompeu barreiras e preconceitos sociais e raciais e alcançou as ondas do rádio, especialmente com a toada Urrou do boi, de autoria de Bartolomeu dos Santos, o Beto Coxo, popularmente conhecido como Coxinho, e por ele cantada.

 

Com o sucesso do disco, o Boi de Pindaré – que surgiu em 1960 de uma dissidência do Boi de Viana – começou a participar de apresentações em outras capitais do País, Coxinho conquistou a fama e a toada Urrou do boi, ao longo desses 50 anos, ganhou algumas regravações, dentre elas a do grupo Boca Livre, em 1980, no LP Bicicleta.

 



Coxinho deixou o Boi de Pindaré com a morte do dono da brincadeira, João Câncio dos Santos, no início dos anos 1980, voltou a cantar no Boi de Viana e começou a travar uma luta inglória pelos direitos autorais sobre suas composições. No disco do Boi de Pindaré de 1972, por exemplo, não há qualquer menção aos autores e cantadores das toadas. 

 

Com dificuldades financeiras e a saúde debilitada – a visão comprometida e feridas nas pernas –, Coxinho passou a pedir esmolas na calçada do antigo Cine Éden, na rua Grande. Foi o apresentador José Raimundo Rodrigues quem se compadeceu da situação e iniciou campanhas na TV e no rádio de solidariedade a uma das figuras mais emblemáticas da cultura do Maranhão. 

 

Em janeiro de 1991, José Raimundo lançou, na praça Deodoro, o LP Raízes, uma coletânea de 14 toadas em homenagem aos principais cantadores de boi. No disco, produzido pela JBG e gravado no estúdio Sonato, estão Humberto do Maracanã, João Chiador, Zé Olhinho, Inaldo, Donato, Zé Alberto e, claro, Coxinho, entre outros.   

 

Pouco mais de dois meses depois do lançamento do LP, Coxinho não resistiu aos problemas de saúde. Morreu no dia 3 de abril de 1991, pobre, com uma modesta aposentadoria de funcionário público estadual e sem o devido reconhecimento de seus direitos autorais. 

            

No dia 12 de dezembro de 1993, em projeto de iniciativa do então deputado Benedito Coroba, o governador Édison Lobão sancionou lei que confere à toada Urrou do boio título de Hino Cultural e Folclórico do Maranhão. Pela lei, todos os eventos culturais em território maranhense ficam obrigados a tocar a toada de Coxinho, nos ritos de abertura e encerramento.

 

Tantos outros trabalhadores pretos do interior do Maranhão, estivadores e iletrados como ele, descendentes de famílias de camponeses da Baixada ou dos arredores da Ilha de São Luís, encontraram no auto do bumba meu boi – e também no tambor de crioula, no tambor de mina – uma janela de oportunidade para a expressão de suas agruras e alegrias. 

 

A história do bumba meu boi é também a história de vida de Coxinho, nascido em 1910, no povoado de Lapela, município de Vitória do Mearim, filho de remanescentes de escravos, que fez do seu urro musical o berro de muitos maranhenses. Salve, grandes e pequenos! Fora da lei, ficou mesmo a voz como um gemido, rouco e triste, desses que se reconhecem ao longe.