terça-feira, 5 de maio de 2020

No dia da língua portuguesa



A língua portuguesa é bem mais que um elemento de comunicação comum entre povos espalhados por quatro dos cinco continentes do planeta. É, atualmente, a quinta língua mais falada do mundo. São mais de 280 milhões de pessoas que falam português em diferentes regiões, e o idioma ainda é o que apresenta um dos maiores potenciais de crescimento.

Mas a língua portuguesa não pode ser traduzida em números ou confundida com estatura ou estatística. Hoje, Dia Mundial da Língua Portuguesa, celebramos a importância histórica do nosso idioma, motivo de orgulho para muitos povos. Além das razões naturais de pertencimento e similaridades culturais, a língua une e reverbera certo laço sonoro com a literatura, dos trovadores do passado aos grandes escritores contemporâneos.

De Camões a Saramago, de Padre Antônio Vieira a Miguel Torga, de Fernando Pessoa a Antônio Lobo Antunes, além de vasta lista de escritores brasileiros, angolanos e moçambicanos, há um extenso inventário na literatura que excede em inteligência e elegância. O português virou quase um sinônimo da boa poesia.

Com as grandes navegações, de motivação meramente comercial, Portugal conseguiu expandir seus domínios e levou às terras conquistadas o seu idioma. Assim ocorreu com o Brasil, na América do Sul, e Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, na África, que adotaram o português como língua oficial. No mesmo projeto colonizador de Portugal, a língua portuguesa também chegou a Macau, Timor-Leste e Goa, na Ásia.

Os povos que falam a língua portuguesa são sabedores do quão importante é a ação de valorizar, preservar e difundir esse patrimônio comum, que pode ser determinante no estreitamento das relações entre estados que comungam do mesmo idioma e, por consequência, de uma identidade cultural.

Foi em São Luís, em novembro de 1989, que se deu o salto inaugural para a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), por iniciativa do ex-presidente José Sarney e do então embaixador do Brasil em Portugal, José Aparecido de Oliveira. Aqui, onde os ilhéus levam a fama – ou já levaram, em outras épocas – de falar o melhor português do País, ocorreu o primeiro encontro de chefes de Estado e de Governo do Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe.

No encontro de São Luís foi criado o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), órgão responsável pela promoção e difusão do idioma entre esses países e que daria origem, sete anos depois, à instalação oficial da CPLP.

O Brasil, país com a maior população falante da língua portuguesa no mundo, deu importantes passos na primeira década do século XXI para fortalecer preceitos do multilateralismo via CPLP. Mas, lamentavelmente, esse ímpeto arrefeceu devido ao cenário político atual no país, de tendência conservadora e populista. No âmbito institucional, o multilateralismo é tratado com desdém e a língua portuguesa volta e meia tem sido pisoteada em praça pública por agentes do governo.

Como língua mais falada do hemisfério sul, o português deve chegar ao ano de 2050 com cerca de 400 milhões de falantes no mundo. Devido à importância política, geográfica e econômica do Brasil, o português brasileiro é hoje o mais estudado, falado e escrito no mundo.

Entretanto, no momento em que a língua portuguesa expande-se e rompe o alegado isolamento cultural em relação ao hemisfério norte, o Brasil fecha portas e despreza essa fortuna intelectual que pavimenta caminhos inclusive para o crescimento econômico.

O Brasil dá as costas para a África, região que por longo período também padeceu de ocupação desordenada e foi pilhada na exploração prolongada de seus recursos naturais, o que retardou demasiadamente o seu processo de industrialização e desenvolvimento. Em verdade, o Brasil dá as costas a muitos irmãos de língua portuguesa enquanto submete-se, às vezes de forma vexatória, ao humor populista de Donald Trump.

Mas a língua portuguesa está acima dos países, e muito além da indiferença.