domingo, 12 de dezembro de 2021

O jornaleiro

Já não há quase bancas de jornais em São Luís. Estão sumindo também os jornaleiros. São poucos agora nas ruas. Estão minguando os jornais, com suas edições franzinas e tiragens minúsculas. Quem haverá de vendê-los? Quem haverá de encontrá-los impressos na esquina? Os jornaleiros estão pagando o pato. 

Aos domingos encontro ainda o César Roberto sentado ali no seu ponto, na rotatória do Olho d’Água. Aos 43 anos, o solitário jornaleiro resiste ao tempo. Não sabe até quando. Sempre de bom humor, ele mantém o otimismo e se protege como pode nesses dias de calor intenso, no sol de quase dezembro. 

Albino, César usa filtro fator 70 para proteger a pele sensível. Há mulher e dois filhos em casa o aguardando todos os dias. O motorista apressado para e toca alto a buzina de sua Land Rover . É a senha. César corre e entrega mais um jornal pela janela do automóvel. 

Os leitores também estão desaparecendo das ruas, como o papel e a tinta. Depois de tudo, César entrega o meu exemplar do jornal e me pergunta quem vai ler tanta notícia amanhã. Saio calado, sem deixar qualquer resposta. César segue na sombra dos domingos.

O erro

A música My mistake, dos Pholhas, fez um sucesso estupendo no final dos anos 70/começo dos 80 e embalou as tertúlias frequentadas pelos meus irmãos mais velhos em Barra do Corda. Era o tempo da música lenta. Na pista, todo mundo agarradinho, indiferente ao que dizia a canção... Cresci ouvindo em casa essa espécie de “hino” de um romantismo puro, quase ingênuo, carregado de nostalgia. 

Só há pouco tempo, ao assistir à série “História secreta do pop brasileiro”, uma adaptação do livro Pavões misteriosos, de André Barcinski, me dei conta de que My mistake é, literalmente, uma tragédia. A letra da música fala de um cara que matou a esposa - porque ela andava saindo com outro – e foi parar na prisão.

Muitas bandas no Brasil, ou “conjuntos musicais” como os Pholhas, só gravavam em inglês, por imposição da indústria fonográfica que inundava o mercado de “enlatados” estrangeiros, especialmente norte-americanos. E o inglês da turma da música não era lá essas coisas. No caso dos Pholhas, aqui e ali eles compilavam frases chupadas aleatoriamente de livros e revistas em inglês e chegavam a uma canção. Foi o caso de My mistake, um espelho das letras do blues, que invariavelmente carregavam nas tragédias cotidianas. 

“Eu perdi a cabeça e atirei nela”, diz um dos trechos da música, e os casais lá dançando sob aquela luz negra, como se não houvesse amanhã... Esse “feminicídio” melódico/meloso fez história, engatou romances nas danceterias, rendeu aos Pholhas um cobiçado “disco de ouro” e abriu caminhos para uma breve carreira internacional. 

A foto de capa do álbum é um capítulo à parte, algo emblemático, com os quatro integrantes entonados em traje que indicaria, anos depois, um flerte da banda com o rock progressivo. 

My mistake não morreu. Só a mulher que saiu com outro.