sábado, 5 de setembro de 2020

A península dos carcarás

Há cerca de quatro meses um casal de carcará iniciou em São Luís, mais precisamente na janela de um apartamento no bairro da Ponta d’Areia (na área onde alguns renomearam de Península), uma jornada insólita que tem chamado a atenção de veículos de comunicação e biólogos de outras regiões do Brasil. O macho e a fêmea esmeram-se dia após dia na construção de um enorme ninho, que provavelmente servirá de local para incubação de ovos e abrigo de futura ninhada.

 A aventura vem sendo acompanhada de perto por Mariana Carvalho, a dona do apartamento, que se dedica a documentar em fotografias e vídeos a evolução do ninho e o comportamento das aves. Tudo começou como uma espécie de efeito natural da pandemia da Covid-19. Com as medidas de isolamento e o lockdown em São Luís, Mariana mudou com a família para a casa dos pais. E logo nas primeiras visitas ao apartamento desabitado, para recolher correspondências, começou a perceber a presença de alguns gravetos na janela de um dos quartos.   

 

Ao voltar de vez para o apartamento, no início de julho, Mariana viu que além de gravetos havia pregos, arames, fios elétricos e até sacos, todos já devidamente emaranhados formando um ninho gigante. E Mariana percebeu que havia também duas aves incomuns no prédio onde mora. Ao fotografá-las, e depois de pesquisar na internet, soube que estava hospedando em sua janela dois carcarás adultos.


 

Nos últimos dois meses o ninho só cresce. Mariana diz estar impressionada com o engenho das aves, com o zelo para erguer o ninho, com a riqueza do trançado. Em nenhum momento ela pensou em se desfazer daquela paisagem. A curiosidade pelos caprichos da natureza tem falado mais alto. 

 

É claro que a presença dos carcarás provocou uma mudança de hábitos em casa. Todas as janelas são mantidas fechadas e, para não espantar as aves com os movimentos dentro de casa, Mariana instalou uma película de fumê na vidraça onde está localizado o ninho. Assim, até a filha bebê pode assistir com segurança aos movimentos de “pássaros tão esquisitos”. 

 

Mariana fez do quarto um set de gravação das cenas de acasalamento dos carcarás. Tudo isso virou um quadro chamado “Diário de um ninho”, na página Terra da Gente, no portal eletrônico G1 de Campinas (SP).  


 

Eternizado na música de João do Vale, com a terrível fama de quem “pega, mata e come”, o carcará é uma ave de rapina da família dos falcões e dos gaviões, presente na região central e no sul da América do Sul, e pode medir de 60 a 70 centímetros de altura e até 1,20 metro de envergadura. 

 

Os novos inquilinos de Mariana chegam ao apartamento rotineiramente às cinco da manhã e por lá permanecem até as dez horas. Às vezes voltam à tarde – em determinada ocasião chegaram até a dormir no ninho. À janela no décimo andar costumam levar répteis, peixes e vísceras de outros animais para a refeição com vista para o mar.  

 

Não se sabe ao certo quanto tempo ainda vão levar para a conclusão do ninho. A situação inusitada é acompanhada virtualmente por curiosos e biólogos. A expectativa da família e dos amigos de Mariana é com a postura dos ovos e a cria de uma nova ninhada. Tudo pode acontecer nos próximos dois meses, a depender do grau de exigência das aves no acabamento do ninho.