Entre alguns lugares por onde andei nestas férias – cada um com sua dose de estranheza e encanto – houve um episódio em particular que, embora não planejado, me arrancou boas risadas depois de digerido. Aconteceu em Praga, essa cidade que transpira cultura, e onde tudo parece ao mesmo tempo antigo e intenso. Um tabuleiro vivo de histórias, de turistas e residentes em disputa por espaço nas pequenas calçadas e nos templos artísticos.
Foi durante uma visita ao castelo que dizem ser o maior do mundo – e quem sou eu para duvidar de um castelo que começou a ser erguido no século IX e ainda insiste em não terminar – que me vi envolvido numa situação tão improvável quanto achar um banheiro público nas ruas de São Luís.
Ali ao lado de Adriana, fazendo uma pausa estratégica no meio dos corredores infinitos do palácio, percebi que um casal nos ultrapassava em passos lentos, olhando fixamente para mim. Nada de hostilidade no gesto. Pelo contrário: sorridentes, curiosos, quase radiantes.
Acenei com discrição, um gesto de cordialidade universal, e segui conversando com Adriana sobre a riqueza de detalhes da catedral anexa ao castelo. Mas logo vi que os dois haviam parado poucos metros à frente, rindo entre si e voltando os olhos em minha direção com o entusiasmo de quem acabou de avistar uma celebridade. A moça cochichou ao companheiro algo que soou como “É ele mesmo, não é?”. O namorado, ou provavelmente marido, confirmou com a convicção de estar diante do ídolo. “Sim, certeza que é ele”.
Foi aí que o rapaz se aproximou, risonho, e perguntou se poderia tirar uma foto comigo. Fui tomado de surpresa – o que, convenhamos, é sempre a melhor desculpa para qualquer omissão ética em viagens. Em seguida, a moça também quis uma foto. Os dois estavam eufóricos. A emoção era tamanha que, por um instante, me senti mesmo alguém digno de tietagem, em pleno Leste Europeu. Um jogador de futebol aposentado, mas ainda lacrando em programas de TV; um ator de seriado latino; um dançarino de mambo; um influenciador digital em decadência; um coach dos mistérios da sexualidade... Vai saber quem eu era àquela altura!
Não houve tempo para explicações. Fiquei em silêncio. Um silêncio consentidor. Conivente. Era visível que aquele encantamento era deles, não meu – e frustrá-los me pareceu uma crueldade gratuita. Preferi sustentar o mistério. Um crime sem vítima, pensei (que poderia ser tipificado como falsidade ideológica culposa? ou lesa-fama, por enganar admiradores incautos e usurpar o sacrossanto papel de um ídolo?).
Claro que, passada a euforia e já com os dois sumindo pelos salões do castelo, bateu a ressaca moral. E se mostrassem a foto aos amigos? E se rissem deles? E se virassem motivo de piada no grupo da família? Comecei a imaginar o instante exato em que a verdade os atingiria: o Google Imagens confirmando que o “famoso” com quem posaram era só um turista brasileiro, com cara de quem se perdeu do grupo.
Pior ainda: e se, meia hora depois, eu os reencontrasse? Eles já sabendo da fraude, me olhando com a decepção de quem acabou de encontrar um autógrafo falso num guardanapo? Falando nisso – e se tivessem me pedido um autógrafo? Que nome eu assinaria? O meu? Ou um rabisco ilegível para manter a blague? E se perguntassem em qual novela eu mais gostei de atuar?
No fim das contas, essa crônica talvez sirva menos como confissão e mais como aviso. Se alguém conhecer um casal simpático de Punta Cana, República Dominicana, que anda mostrando por aí uma foto com um sujeito sorridente em Praga – esse cara sou eu. E peço desculpas. Não tive coragem de desmenti-los. Mas, por favor, ajudem-me a encontrar essas duas almas crédulas. Vai que ainda dá tempo de dizer a eles que sou só mais um entre tantos que caminham anônimos pelos corredores do mundo, mas que, por um instante, ganhou um papel principal numa história alheia.
E sejamos honestos: há personagens que a vida nos entrega que nem o mais caprichoso dos roteiristas saberia inventar.
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