Tudo é efêmero às margens do Sena, como esse impactante registro captado pela lente iluminada do amigo Cidinho Marques. Não é uma foto pronta, uma capa de revista. É só o faro do flâneur, que da janela do táxi eterniza a elegância com que a dama de vermelho posa para o traço do artista. Um artista de rua, quem sabe!
Quem é ela? O que a espera no outro lado do rio? Um marido? Filhos? O casamento em desalinho? O desenho evolui lentamente. Ela ajusta o vestido. O vermelho salta pela calçada e vem dar nos meus olhos.
Ela talvez encarne ali a sensibilidade feminina que Balzac abordou com maestria em A mulher de trinta anos. Talvez. Assim como Julie, a protagonista de Balzac que transita entre as expectativas sociais e a busca por significado profundo, a mulher em vermelho carrega consigo não apenas a própria história, mas as narrativas compartilhadas de todas as mulheres que atravessaram séculos desafiando as amarras do destino. Com um leve ajuste no chapéu de aba larga, ela afirma sua presença, reconhecendo seu poder e seu papel no espaço que habita. Os transeuntes que a leiam, portanto.
O artista, ao observá-la, vai além do desenho ou da foto; ele busca capturar a essência de uma luta silenciosa. O olhar profundo da dama escarlate interrompe a banalidade do cotidiano, enquanto suas mãos acariciam a roupa, revelando a intenção por trás de cada gesto.
A tensão entre o que a sociedade espera e a realidade nua é um tema familiar nas obras de Balzac, e essa cena não é exceção. A mulher de vermelho não é um mero adorno na paisagem parisiense; ela desestabiliza a ordem, instigando novas referências entre o observador e o observado.
Os turistas refestelam-se, admirados. Os parisienses, mais habituados ao rio, ao rito, à beleza, embora desconectados à princípio, rapidamente se envolvem na mesma contemplação a que estou preso nos poucos segundos do engarrafamento. É como se, por um momento, a cidade suspendesse seu ritmo cosmopolita, frenético.
Tal como Julie, que ao completar trinta anos depara com a complexidade da maternidade, da solidão e de ambições não realizadas, a mulher de vermelho personifica os desafios e as nuances de sua própria narrativa.
Quando o vento do Sena acaricia os cabelos da dama da fotografia, a presença dela torna-se ainda mais extravagante: transforma o ambiente, dá vida ao cartaz vintage e às reproduções de obras de arte expostas nos cavaletes. De viés, também é capaz de revelar a crueza da vida de outras mulheres anônimas.
Mas a cada pincelada do artista, ela metamorfoseia de musa a símbolo de uma nova identidade feminina em ascensão no século XIX. Essa tendência, tão bem explorada por Balzac, indica que as mulheres desejam muito mais que um papel submisso em uma sociedade que as observa.
Antes de concluir a performance, a dama da beira do rio ajusta o chapéu mais uma vez, como se estivesse preparando-se para retornar à sua própria essência, à vida real. Com um último olhar direcionado ao retrato que se tornará eternamente uma parte dela, a dama se afasta.
O vestido escarlate, como uma chama, se dissipa na curva do cais, levando consigo a marca de um momento raro. O retrato, a essa hora talvez em suas mãos, permanece como um testemunho tangível de um encontro sublime entre vida e arte. Assim, as verdades da mulher de trinta anos, qual nossa Julie rouge, reverberam através do tempo, ecoando nas memórias eternas das águas do Sena.
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