segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sobre ontem à noite

Não há comparação. A dor dos outros nunca será como a nossa. Apenas uma noção vaga é o que se vai ter. É como a alegria de ganhar um filho: difícil alguém saber exatamente o que é isso sem viver a experiência. Pode até imaginar, mas jamais sentir. Assim é com a dor, como se dor e felicidade se encontrassem e se desentendessem em algum lugar do infinito. À distância, é possível até ter a sensação nos ombros, mas jamais o sentimento de uma coisa ou outra.

Ninguém vai saber o quanto dói uma saudade no peito alheio. É impossível saber o quanto vai doer uma lembrança de um afago que não se alcança mais, pois ficou preso no esconderijo do passado. É improvável perceber a alma de alguém que chora por dentro, que se derrama em prantos toda vez que os sinos da memória dobram bem lá no fundo.

Quem vai sentir ainda uma vez o cheiro do banho tomado, do aroma de talco como quem acabou de chegar do barbeiro? Quem haverá de passar a mão sobre o cabelo ralo e molhado penteado para trás, tingido com fulgor para espantar o prateado dos anos? Ninguém vai lembrar da pele corada pelo sol do mundo, dos olhos tristinhos fitando o horizonte dos sonhos que não vingaram, do sorriso raro da noite passada, da paciência já em fim de linha, das manhãs de março pelos chãos das feiras, do cheiro de pão quentinho no final da tarde. Ninguém vai lembrar, senão aqueles que dividem a mesma dor.

Talvez no mercadinho reparem a falta, quem sabe no banco percebam o silêncio da conta. Mais cedo ou mais tarde vão notar o vazio que ficou no ar. Como aquela brisa que não volta, como um lamento que alguém canta ao longe, como a voz terna e cansada que repousa a oeste do peito, de tudo fica apenas o norte da saudade.

Não tem tamanho. Não é o fim, mas também não tem remédio ou prazo de validade. É a dor dos outros que não se enxerga a olho nu, mas que fala alto e atormenta, que não cessa e cresce da noite pro dia. Às vezes é um grito lancinante, noutras um gemido calado de alguém que ficou esperando a companhia na poltrona de tevê ou na cama de dormir. Ninguém vai saber ou domar. Essa dor vai longe, mas um dia brinca de ciranda com as pequenas alegrias da vida.

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