quinta-feira, 9 de junho de 2011
O lamento das toadas, a alegria dos batalhões
O São João não é exatamente a festa da carne, como é o Carnaval na sua essência. Mas em terra onde quem rodopia sorrateiro é o boi, a carne não pode ser reduzida a uma simples alegoria. Quando o pandeirão se agita em noite de guarnicê, o couro treme e o pêlo eriça. No apito final da festa (São Marçal, capítulo 30, mês 6, versículo do meio-dia, bairro do João Paulo) a carne se expõe e, sob o sol, a pele vira do avesso. Homens tocam o tambor como se fosse a última vez, a mão sangrando, a avenida em transe.
Mas o rito do boi está apenas começando. O mês de junho anuncia a fé do povo nos santos que rezam na cartilha da cultura popular maranhense. Santo Antônio faz o casamento da tradição com os apetrechos da modernidade, link entre o pretérito perfeito e o acolá indecifrável. São João, do alto do seu paiol de crendices, arrenega a escuridão e acende a fogueira em praça pública. Fiat lux! São Pedro faz chover no piquenique eletrônico das boates e dos shows de música baiana, mas mantém a chama/trama que nasce no riscar das matracas, renascimento temporão do fogaréu primata.
As festas juninas do Maranhão transitam entre o singular e o plural, linha tênue entre a língua do boi e a multidão. Um vaqueiro aprisionado no visgo que separa o curral do arraial. Comer a língua é uma mistura de propósito, pretexto e desejo de Catirina, a mulher engravidada por Francisco. No fundo, ela pressente a ressurreição da carne. Vaqueiros amotinados fazem a pajelança em volta do boi morto-vivo que perdeu a língua. O fazendeiro ouve de longe a batida dos chocalhos. O novilho desperta e a fazenda em festa dança. O que era língua agora vira sotaque.
O colorido papel de seda encobre de luz o céu da cidade. São Luís é um carrossel de bandeirinhas espichadas no cordão. Cheiro que sai da pólvora nas bombinhas de rua. Canutilhos na paisagem. Cenário que nasce dos batalhões de gentes simples, herança das raças que não se regra nem mesmo nos tempos de sequidão do pote oficial. Foco no maracá! Amo e toada juntos, público à espreita. Anônimos que se transformam em amos, senhores que ganham vida no meio da noite junina.
O maranhense se rende todos os anos aos personagens que fazem a história do bumba-meu-boi, capítulo especial da nossa cultura popular. Fusão de etnias que mexe com o imaginário coletivo. Vai começar o bumbar do bombo que se estende até a mais alta hora da madrugada. Nas praças, nos bairros, nos terreiros. Humberto, Chiador, Chagas e tantos outros que fazem do lamento um canto de esperança; que com a voz sentida fazem tremer o chão e a alma. A eles, a nossa reverência.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário