FÉLIX ALBERTO LIMA
O Estado de São Paulo
Em ofício encaminhado ao então presidente Emilio Garrastazu Médici no dia 12 de setembro de 1970, o então presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Agnelo Rossi, confirma que “o padre José Antônio de Magalhães Monteiro sofreu realmente torturas e maus tratos, quando esteve detido na Polícia Federal”.
De acordo com o documento, a constatação se baseia não apenas no depoimento de Monteiro, mas nos laudos médicos e em circunstâncias curiosas, como “proibição ao arcebispo de São Luís de falar com o padre durante a detenção, a posição arrogante das notas divulgadas pela Polícia [Federal] e a referência a algemas que explicariam as escoriações nos braços do sacerdote”.
Dom Agnelo Rossi mostrava-se também surpreso com a afirmativa da Polícia de que “o padre Xavier Gilles de Maupeou participara de guerrilha na Argélia”. A presença do sacerdote na Argélia, segundo o ofício da CNBB, fazia parte de uma missão do governo da França, “na qualidade de oficial do Exército francês”.
O documento de Agnelo Rossi pede, por fim, providências para que seja evitada a divulgação de notas, por parte da Polícia Federal, que ponham em dúvida a conduta de “pessoas merecedoras de respeito”, numa alusão ao caso dos padres Xavier e Monteiro.
Nota oficial - Em uma das notas divulgadas pela Polícia Federal sobre o episódio da prisão dos padres José Antônio de Magalhães Monteiro e Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges, o então subdelegado regional do DPF no Maranhão, João Batista Campelo, faz questão de afirmar a importância da repressão no combate de atividades subversivas.
Em nota divulgada no dia 26 de agosto de 1970, o subdelegado explica didaticamente à opinião pública que “o que se procura é impedir, prevenir e reprimir, dentro dos postulados da Constituição do Brasil, dos Direitos do Homem, da Lei de Segurança Nacional, os crimes cometidos contra as nossas tradições e costumes”.
Campelo contesta as acusações, na época, do envolvimento da Polícia Federal com tortura. “São infundadas. Tais manifestações visam tão-somente confundir a opinião pública e ao mesmo tempo aliciá-la para que se volte contra a Polícia Federal”.
A nota da subdelegacia confirma o laudo expedido pela Divisão Médica da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão sobre a ausência de lesão corporal no padre Xavier Gilles. O subdelegado, porém, faz questão de transcrever tecnicamente os dados do laudo referente a José Antônio Monteiro. “Constataram escoriações no terço interior do antebraço esquerdo de dois centímetros de extensão por um de largura, e do antebraço direito de um centímetro de extensão por um e meio de largura”. A conclusão da nota da Polícia Federal é quase patética: “Isto demonstra que os suplícios e torturas que os inimigos do nosso regime nos acusam não passam de uma velha tática comunista de sensibilizar os menos avisados”.
Os menos avisados, no caso, eram os leitores da nota que, devido à imposição da censura na época, não tomavam conhecimento, pelos jornais, do que se passava nos porões da ditadura militar.
SNI - A prática de subversão dos padres José Antônio Monteiro e Xavier Gilles estava associada basicamente a correspondências, envolvendo os sacerdotes e amigos, confiscadas pela Polícia meses antes da prisão.
Um relatório do Serviço Nacional de Informações (SNI), datado de 20 de outubro de 1970, esboça de forma cronológica o “crime” cometido pelos padres. O relatório é uma espécie de prestação de contas do general Carlos Alberto da Fontoura, chefe do SNI, ao padre João José da Motta e Albuquerque, arcebispo de São Luís.
Em uma das cartas anexadas ao relatório do SNI, um remetente que assina apenas como Bernardo (provavelmente padre) fala a José Antônio Monteiro de um seminário de estudos políticos que estaria acontecendo em Meruoca, no Ceará. “O movimento tomou uma nova linha de ação que não será mais aquela linha reformista, mas sim uma linha de ação revolucionária, uma ação no engajamento, em prioridade nos meios de produção”, diz a carta.
As oito correspondências anexadas ao relatório são criteriosamente analisadas pelo chefe do SNI. “O teor das cartas permite deduzir, com segurança, que os padres José Antônio de Magalhães Monteiro e Xavier de Maupeou têm ideias socialistas e estão comprometidos com o chamado movimento progressista da igreja”. Segundo a avaliação do general Fontoura, os amigos de Monteiro “vão aos lugares-comuns das lutas pela libertação do povo oprimido e da contestação política”. Pela análise do chefe do extinto SNI, a correspondência “deixa ainda claro que as ideias socialistas estão bastante infiltradas entre os seminaristas do Nordeste”.
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