De todas as características da jornalista Flor de Lys, que nos disse adeus na silenciosa tarde do último domingo de maio, a que deixa rastro irretocável, quase definitivo, é aquela expressão de ternura, da tamanha simplicidade que não se apaga, do brilho no olhar inquieto. Fica na lembrança a marca da mulher autêntica, sem medo de se mostrar imperfeita, de barro e coração grande. De alma leve, atravessou o tempo com o seu jornalismo sem firula, sem filosofia, sem rodeio. E por isso mesmo não fez escola, mas deixa o legado da palavra honesta, sem o aparato dos dicionários, singela.
Flor de Lys não tinha o pudor peculiar dessas personagens pudibundas que se encontram com certa facilidade desenhadas na literatura das revistas de futilidades. Era de uma elegância pura, mas tão pura que, enquanto circulava pelas ruas de São Luís no banco de trás do carro (um Santana quatro portas, em boa parte da sua vida mais intensa e profícua), exigia que o motorista dirigisse com os vidros abaixados. Para evitar a maledicência do povo.
Não era uma pedinte. Nem foi uma pedante. Tinha o seu charme natural e sabia esbanjá-lo no varejo. Certa vez Flor de Lys surpreendeu a plateia do Teatro Arthur Azevedo ao sair da coxia para o palco, exuberante, suspensa num andor carregado por jovens musculosos, ao som de “O amor e o poder”, a música que alçou a cantora Rosana à fama. O refrão “como uma deusa” nunca caiu tão bem como naquela noite orquestrada pela revista Vanguarda, que tinha à frente o jornalista Alex Palhano. Eram os anos 1990 e Flor recebia a homenagem especial na festa de entrega do troféu da revista. Vanguarda foi uma revista de atitude que fez história no Maranhão, pela ousadia do editor e pela rebeldia no traço.
Flor de Lys caminhava acima das nuvens e fazia pouco caso do farto folclore atribuído a ela e ao Noronha na cidade. O folclórico em São Luís sempre foi a falta de atitude dos anônimos. Cafona era um adjetivo muito menor do que ela, que fazia jornalismo como distração, não como tese acadêmica. E no jornalismo não há tesão que sobreviva a uma tese rala.
A poesia em Flor de Lys não estava nas entrevistas que ela fazia para a televisão. Não eram os textos da coluna social que ela assinava nos jornais. Não ficava gravada nas fotos e nas legendas dos bailes de debutantes ou nos concursos de miss que ela cobria como um sacerdócio. A poesia está escrita na delicadeza dos gestos, que não requer pronome de tratamento. O coração fraquejou de vez no domingo, é verdade! Mas antes disso, há uns cinco anos, ela deixou partido o coração daqueles que freqüentavam a sua casa. Ao saber da morte de sua tartaruguinha de estimação, Flor de Lys chorou tanto – e sofreu tanto - que acabou sendo vítima de grave hemorragia em um dos olhos, doença que praticamente a tirou do combate das redações. Não há lirismo na doença, e poesia não é exatamente o peso de uma cruz ou o comprometimento da retina. Mas na Flor havia o lírio necessário, marejado, que o folclore é incapaz de enxergar.
Após incontados comentários no blog de Helcio Silva, vi este comentário sobre a morte de minha mãe publicado por Jeremias Azevêdo.
ResponderExcluirFui buscar o original e o encontrei aqui.
Assim, caro Felix, receba de toda a nossa família, um agradecimento sincero por esse seu pensamento, traduzido em crônica.
A Deus, nossas vidas.
Guardarei em meu coração e em minha gaveta especial do lado esquerdo, esta crônica.
Um abraço,
Mhario Lincoln, irmãs, filhos, filhas, netas e bisneto.
Meu querido Mhário, foi realmente com o coração triste que fiz essa crônica. Grande abraço a vc e aos seus.
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