Elas não se entregam. Não sem antes fechar o negócio. Acertam o preço e só então abrem passagem para o gemido. E aí se doam alucinadamente. Se preciso, choram com o suor do próprio corpo. Riem por vocação e amam como ninguém. São umas injustiçadas, mas não perdem a ternura e o rebolado. Incompreendidas por boa parte da sociedade, elas estão dispostas a dar a volta por cima. O I Encontro Regional Norte/Nordeste de Profissionais do Sexo Feminino, que acontece a partir de amanhã no Convento das Mercês, é a janela aberta para discussões de interesse de mulheres que ganham a vida na função.
“É uma profissão como outra qualquer”, avalia Maria de Jesus Costa, 50 anos, presidente da ong Associação das Profissionais do Sexo Feminino do Maranhão (Aprosma). Ela reconhece, para espanto das amigas mais novas, que não há qualquer glamour no trabalho. Hoje parcialmente afastada da atividade diária “por absoluta falta de tempo” – os homens, segundo ela, não pagam para fazer amor com mulheres mais velhas -, Maria de Jesus conta que a entidade foi criada há três anos com o objetivo de reduzir preconceitos e orientar mulheres sobre riscos, direitos e deveres na profissão.
Não há provocação. O convento é apenas o local do encontro. Elas não ousam abalar o templo da Ordem dos Mercedários, tampouco pretendem despertar a ira e o escárnio do Padre Antônio Vieira em sermões reinventados. Haverão de “traçar metas rumo aos novos e velhos desafios”, conforme anuncia o cartaz do evento.
E quais são os novos e os velhos desafios, se não existe vida fácil na prostituição profissional? Superar o preconceito de ontem, inibir a violência de agora? São 1.050 mulheres associadas à ong. Muitas delas dirão suas meias verdades durante os três dias de encontro no convento. Outras continuarão apoiadas sobre o colchão de amar. Algumas estarão sob o sol tecendo a vida, com suas vulvas encharcadas de suor e corrimento. Todas, contudo, vigiadas pelo medo de velhas e novas doenças sexualmente transmissíveis.
Não há piso salarial, férias, licença prêmio ou recesso de Natal. As crianças nascem, e a jornada das mulheres prostitutas limita-se a meio expediente, ao serviço pela metade. Elas não vão alcançar a licença maternidade. Pais desconhecidos. A geração de filhos da puta vai se multiplicando de bairro em bairro. Eles, na opinião de Maria de Jesus, são vítimas da sociedade, da falta de informação e da miséria.
No João Paulo e no João de Deus elas estão no ponto e não há salvação a prazo. No Inferninho do aterro, vendem a alma a quem se arrisca a pagar um trago. A rua da Saúde herdou a clientela da 28 e os riscos do HIV de turistas que se hospedam nas soturnas pousadas da vizinhança. Não se pode dizer, todavia, que as remanescentes da Faustina estão por baixo. O maior número de profissionais do sexo gira na órbita do Xirizal do Oscar Frota, por onde ancoram pescadores, camelôs e estivadores em busca do prazer self-service. Lá um programa de primeiro grau pode começar a R$ 7,50. Não há melhor preço na cidade. Elas também estão na Vila Fialho, nas avenidas Médici e Guajajaras, na praça Pedro II e no Posto Magnólia. Na área do Porto do Itaqui, onde imperam exigências de marinheiros mareados, o programa chega a custar R$ 300,00. É pegar ou zarpar.
O perfil do cliente é descrito conforme o ponto do programa. Os navios garantem a freguesia no Itaqui. O Xirizal do Oscar Frota não seria o que é hoje sem o intenso movimento no Mercado do Peixe e no Mercado Central. A área da Praia Grande, incluindo a rua da Saúde, é alimentada pela moeda dos estrangeiros e pela mirra de alguns boêmios nativos. Os caminhoneiros se revezam entre a avenida Guajajaras e o Posto Magnólia, na BR.
O espetáculo do crescimento chega sem pressa às alcovas. Excomungadas em ritos sumários ao longo da história, as prostitutas querem mostrar ao mundo que há dignidade na profissão. Não há motivo para vergonha, dizem. “Temos o direito de usar o nosso corpo da forma que bem entendermos”, pesa e pondera Maria de Jesus. Elas pagam impostos e estão nas filas dos bancos e dos crediários como qualquer virgem.
Há uma linha tênue que separa as profissionais do sexo e as garotas de programa que frequentam as faculdades particulares. Nos dois casos elas estão vendendo a força de trabalho: as profissionais, com suas penteadeiras enfeitadas e perfumes carregados na essência, devidamente assumidas; as “amadoras”, com suas roupas de grife e saídas sorrateiras para o infortúnio dos amores servis. Lá e cá excedem no prazer, na dor e no sussurro.
Difícil saber quando há afeto ou beijo na boca. Depende do que se paga. Há um mandamento único no exercício da prostituição: é preciso ter renda. Nem amor, generosidade ou gratidão. Do parceiro, exige-se pouco mais que o pagamento. Pode ser dinheiro, cartão, uma pedra falsa ou um corte de cetim. E a fila anda.
Texto postado em 23.08.2006, no site www.claraonline.com.br.
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