terça-feira, 23 de abril de 2019



A afinação poética de Félix Alberto Lima

José Neres
Professor, escritor, membro da AML e da Sobrames

Reconhecido como uma das boas referências nos campos do jornalismo, da publicidade e da pesquisa, o escritor e acadêmico Félix Alberto Lima, nos últimos anos, tem mostrado para o público um outro talento que, embora cultivado há bastante tempo, era mais conhecido entre seus familiares e seus círculos de amizade: o dom para a Poesia.

Em 2015, ele publicou o livro O que importa agora tanto, que foi muito bem recebido pelo público em geral e mereceu alguns elogiosos comentários por parte da crítica especializada. Como bons textos acabam atraindo bons leitores, o contato com os poemas de Félix Alberto Lima acabou criando nas pessoas a expectativa sobre possíveis outras publicações no âmbito da Poesia. Para felicidade dos amantes das boas letras, o poeta acaba de brindar seus leitores com a chegada do livro Filarmônica para fones de ouvido (Editora 7 Letras, 2018, 114 páginas).

Dividido em dez partes temáticas que se completam (1. Da luz negra, 2. Do oco do mundo, 3. Dos livros que falam, 4. Do fio da navalha, 5. Do retrato em sépia, 6. De agora em diante, 7. Do rito de passagem, 8. De água e sal, 9. Do mar e ilha, 10. Do linho que há nas palavras), o livro conta também com o prefácio do poeta e crítico literário Tom Farias e traz em seu bojo um arranjo harmônico entre a forma, o ritmo e o conteúdo de cada um dos textos. Não se trata de uma coletânea de poemas soltos que se enfeixam em um livro que o autor deseja publicar por publicar, mas sim de um trabalho minuciosamente articulado em busca de um conjunto imagético e melódico que casasse com cada um dos ritmos inerentes à grande partitura poética que é o próprio livro.

Cada uma das dez partes do livro é marcada por uma melodia própria e em cada bloco de poemas o autor faz um passeio pelos diversos matizes da musicalidade, indo da toada à cantiga e passando por blues, ópera, jazz, rock e muitos outros ritmos, mas isso não é por acaso. Essas escolhas vão muito além da simples variedade lexical e citação de tendências e gostos. Em cada ritmo explorado nos poemas é possível perceber as angústias, sofrimentos, apreensões, dúvidas e acasos que cercam o eu lírico, que se multiplica em vários e ao mesmo tempo torna a expressão do uno, de todos os seres humanos que se bifurcam nas encruzilhadas dos problemas pessoas que são compartilhados para (e por) todos nós.

No texto que dá nome ao livro, o poeta sintetiza parte das angústias humanas e chama a atenção para um ser que mergulha em si e em diversas músicas selecionadas de acordo com seu estado de espírito, servindo também como uma espécie de fuga da realidade em meio a um mundo pós-moderno que muito cobra e pouco oferece. Essa mesma sensação de vazio existencial pode ser sentida em diversos outros poemas do autor. Nos versos de Félix Alberto Lima é possível sentir tanto um pouco do incômodo gauche drummondiano quanto o desejo de fuga emanado pela Pasárgada idealizada por Manuel Bandeira. Nos versos desse jovem poeta maranhense é possível também sentir as brisas de Macondo, de Antares e de Comala e de Santa Maria e de tantas outras cidades literariamente imaginadas e edificadas em monumentos verbais e que se solidificam em versos dedicados à terra natal.

Essa profusão de temas ocorre por que o poeta optou por mesclar em seu livro variadas nuances que percorrem desde o mundo suprametalinguístico de um poema como Hoje não é todo dia (p. 39) até o contundente teor realista de alguém que “aprendeu a mentir juntando sílabas / e nunca mais parou” (p.20), com espaço para “tirar os fones de ouvido e escutar a paisagem” (p. 88, adaptado) ou mesmo para o eu lírico sentir-se como “um refugiado de deus” (p. 89). Os seja, nesse livro, o escritor se preocupa tanto com esfera metafísica do Ser quanto com as questões sociais, uma vez que um Ser acaba sendo o somatório infinito de outros seres e olhares.

Não importando qual seja o ritmo adotado, o que fica claro na poética de Félix Alberto Lima é que o Ser Humano (não como matéria, mas sim como essência) é o que realmente importa. Independentemente do Tropel de cores (p. 110), de uma Febre terçã (p. 81), de Uma noite longa (p. 30) ou mesmo do Juízo final (p.22), é o lado humano que prevalece nas páginas desse livro, e mesmo diante da Ânsia de um homem comum (p. 37) e até mesmo da Compaixão cívica (p. 107), tudo pode ser visto como um grande Ensaio sobre a irrelevância (p. 66) das coisas passageiras.

Filarmônica para fones de ouvido é um livro que pode ser lido por pessoas de todas as idades, independentemente das tendências sociais, políticas, religiosas ou musicais. Em cada página fica a certeza de que do olhar atento do poeta “nada passa despercebido” (p.37) e que, embora haja “gemidos que não cabem num soneto” (p. 102), os versos de qualidade sobrevivem para alegria de olhos e ouvidos ávidos da indelével suavidade da Poesia.

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