segunda-feira, 29 de abril de 2019

Elegante sinfonia de "Filarmônica para fones de ouvido"



Maristela Sena
Jornalista

Se é pra falar do tempo contínuo, lembro que um intervalo de quatro anos separa os livros de poesia O que me importa tanto agora e Filarmônica para fones de ouvido do jornalista e escritor, Félix Alberto Lima. Pergunto-me se somos os mesmos. Sem me preocupar com respostas percebo que estamos mais tristes do que um dia pudemos ser. E talvez por isso a poesia é e esteja aqui. “Uma página em branco é tudo o que tenho agora” para “o poema raivoso hoje em dia é bem mais elegante”. Arrancando imagens do mundo estéril, a letra generosa nos preenche a falta no pretérito, no hoje e naquilo que chega já amanhã cedinho. É esse ofertório de conforto para almas no tempo de ruptura, violências e autoritarismo, entre assombrações e a réstia de esperança no dia novo e bom, que transformamos outra vez em passado.

A página aberta informa a estação “da luz negra” com um pedido de “desacelera a vida”. A literatura é invenção que pede não necessariamente o tempo, mas a engrenagem da hora que passa e pertence ao homem que ainda vê “o menino galopando o jumentinho”, àquele que escreve e lê o verbo-verso sem ter de provar nada da letra criada e refeita: “amanhã estarei à frente do meu tempo. como um maquinista”.

Filarmônica contém dez estações, passagem sugestiva para “além das paredes que ouvem e transpiram” ou que ousam conter imaginação. “Debaixo da minha pele há um só palito de fósforo cambaleando prestes a correr o risco da alumiação”. Porque palavra acesa incensa a noite escura dos homens. “Vamos ver a lancha nova que do céu caiu do mar” e “cruzaremos o sertão que há dentro dos peixes”.

Félix Alberto não está sozinho ao construir a palavra. O grego Aristóteles nos ensina que o fazer poesia surge da recriação da realidade na obra literária. Não à toa dizemos que a vida imita a arte em um movimento cíclico de espelhamento. O historiador Henrique Borralho explica essa relação coletiva em que estão em jogo a realidade, o pensamento e a linguagem. “Para Aristóteles, o processo contínuo de imitar, leva a um processo de inventar. A invenção se dá pela imitação, logo a poesia se encarregaria de reverberar aquilo que universalmente é sentido por homens e mulheres, quer dizer, independentemente do lugar ou da situação histórica da humanidade, tudo o que for preceituado por estes pode ser intuído, transformado em linguagem poética”.

A ordem é que habitemos poeticamente o mundo, então vamos ao encontro de Filarmônica. A obra é uma publicação da editora carioca 7Letras, formada por 80 poemas e 116 páginas.

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