terça-feira, 5 de fevereiro de 2019
Mapas para utopias
Jozias Benedicto*
Frente às crises e desafios de nosso tempo, a poesia ainda representa uma das formas de resistência, uma nave que tira o homem da aridez do dia a dia para transportá-lo para novos mundos, para a possibilidade de viver e cantar utopias. Penso nesta palavra, resistência, ao ler – depois de mais um dia bombardeado pela algazarra das redes sociais – os livros recém lançados de dois poetas maranhenses, “A sagração dos lobos”, de Salgado Maranhão, e “Filarmônica para fones de ouvido”, de Félix Alberto Lima, ambos publicados, com trabalhos gráficos primorosos, pela editora 7Letras (Rio).
Félix Alberto Lima é membro da Academia Maranhense de Letras, e este livro vem se juntar ao “O que me importa agora tanto” (7Letras, 2015), também de poemas. Jornalista e escritor, com bem sucedidas incursões na música e em cinema, Félix tece, com os versos livres e melódicos de seu novo livro, caminhos que passeiam por mares e pela cidade antiga e eterna (“o azulejo velho / na parede / da rua portugal”), por trilhas urbanas e periferias do terceiro mundo, por paisagens áridas e pelos sentimentos humanos (“essa canção que toca no rádio agora / bem que poderia falar do nosso amor”). Na “ciranda do poema”, em cada janela ou cada praia alguém nos espreita – “um refugiado de deus”. É impossível deixar de caminhar com o poeta por estas passagens; sua voz de “o último junkie do ocidente” nos envolve e nos exorta a querer ser também “aquele menino / que vendeu carvão e alegria / no desvão do tempo que embrutece”.
“A sagração dos lobos”, do poeta Salgado Maranhão, vem se somar à sua extensa obra literária, consagrada através de prêmios como o Jabuti (por “Mural dos ventos”, em 1999, e “Ópera de nãos”, em 2016) e o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras (“A cor da palavra”, em 2011). Neste livro mais recente, o poeta toma como norte e epígrafe uma lenda dos índios Cherokee que nos coloca a questão: que lobo dentro de nós vamos alimentar? – o animal interno do medo, da cólera, da mentira e de outros sentimentos negativos – ou o da paz, da fé, do amor e das qualidades positivas? Esta interrogação perpassa as belas imagens dos poemas – que nos contam de “mamíferos / que colidem com o pó”, de um “rio de açúcares / e vocábulos”, de comer “flores de pólvoras / e constelações de sílabas” – e para a qual não há uma resposta única e dogmática. Como uma obra aberta, o livro nos indica um caminho possível, a transcendência, ao se encerrar com “o poema pede silêncio / para sonhar”.
Somente com o sonho – e a arte, sua irmã – podemos calar esta barulheira do quotidiano deste século que mal atingiu a maioridade e já se tornou velho e, transformando a resistência em resiliência, olhando firme para o futuro, voltar a construir nossas utopias.
* Escritor e artista visual
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