quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Sobre poesia e resistência



A poesia de Joãozinho Ribeiro é um cântaro de leveza, de bons presságios. A Safra de quarentena não é um grito de socorro, mas um canto de otimismo, um bálsamo extraído das profundezas da melancolia e da desesperança. Para Joãozinho Ribeiro, a poesia foi e será sempre o pão de cada dia. É ela quem alimenta o seu ativismo cultural de mais de quatro décadas.

A poesia de Joãozinho Ribeiro também é música, cachaça, e um unguento poderoso que soube curar as feridas do isolamento. O cenário de pandemia, mais do que um eixo temático, torna-se um pretexto para expor em versos certeiros, com inventividade e delicadeza, as fissuras da humanidade. A quarentena aqui é pano de fundo para um diálogo poético sobre relações humanas, solidariedade e resistência.

O poeta é um inconformado renitente com o estado de coisas, que desafina a flauta da hipocrisia, que brada com elegância pelo afeto, que luta pelo amor colaborativo, pela terra repartida, pelos meninos de Gaza, pela saúde do planeta.

A Safra de quarentena é também o eco das panelas vazias que choram silenciosas, não do alto dos edifícios de neon e led, mas do escuro das periferias.

Há em curso um desconcerto da humanidade, mas nem por isso o poeta esmorece na esquina dos poemas. Como se carregando um alaúde sobre os ombros, ele vai ensaiando a ciranda da vida e tocando em desalinho a valsa da fé inextinguível no homem.

Com o desejo imenso de sarar o mundo, Joãozinho Ribeiro sai por aí pintando paisagens reais e imaginárias, como se a poesia fosse um grafite no muro, o exercício de sensatez e equilíbrio que, de um verso a outro, vai de uma corrente de benquerer a uma cantiga de maldizer. 

Safra de quarentena é uma obra que está além da pandemia. Porque ainda nos faz crer nas utopias e na capacidade transformadora da arte. E porque prevalecerá a luz da verdade onde houver distopia. 

Joãozinho Ribeiro faz uso da linguagem do povo, fluida, para fundar a sua poesia concisa, sem rodeios ou contorcionismos semânticos. Um violeiro refinado, urbano, bramindo aqui e ali por uma felicidade urgente, mas nunca uma felicidade superficial, instantânea, como um post de rede social.

Safra de quarentena é uma obra para quem, mesmo em tempos de desolação, ainda se permite acreditar na invenção do futuro, que pode ser agora. É um convite para encontrar, nos escombros, a colheita da paixão, da sorte, da rebeldia, dos lírios e de algum delírio.