segunda-feira, 31 de outubro de 2016
No labirinto de espelhos de Daniel Blume
Poetas têm “almas azuis, divinamente doidas” e flanam distraídos, com seus tecidos rotos, pelas calçadas do desregramento. Essa alegoria, embora meio esfarrapada ao longo da história da literatura, fez do poeta um ser quase acima do chão, meio solar, meio insular. Daniel Blume é um desses poetas de terno e gravata, da antialegoria, que, aqui e ali, empresta a pena de advogado ao expediente da poesia. Com a publicação de “Penal” (AML, 2015), Daniel enfeixa uma quase centena de poemas em livro que realça a sua aguda sensibilidade no manuseio das palavras.
Em “Penal” não há um jurista catando erudição em dicionários ou cometendo exercícios metafóricos com armaduras de pudor e surtos de autodefesa semântica, mas um poeta de segunda viagem vestido com o “uniforme de homem normal”, comum, alheio ao austero ofício da razão. Daniel Blume faz com inventividade um cruzamento de impressões várias sobre coisas simples: o vulcão da vida de entes próximos, o plano de voo, o gosto amargo da ameixa, os cacos de erros juntados pelo caminho e a invencível dança do elemento tempo.
No poema Carmé o autor revisita o passado e derrama a sua melancolia sobre o pão com açúcar das tardes de um velho casarão da rua da Paz, no Centro de São Luís: “... Essa saudade/ Não ainda só memória/ Porque dor, lembrança/ E presença”. Não há na obra de Daniel Blume sangramentos inestancáveis, mas pequenas fissuras, vãos abertos pelo olhar instigante de quem não se conforma com o recorte turvo de certas paisagens. Se persistem ligeiros traços de dor, há num dado poema a verdade exposta que machuca e ao mesmo tempo afaga.
“Penal” não é um manual de autoajuda com inspiração poética para apreciadores do Direito. É um livro “fora da lei” que expõe o pó e a ferrugem incrustados na política, nos livros mofados nas bancas de academias. Para Daniel Blume, o poema é refluxo de sensações, representação, “tenda de todo ator”. Por onde escorre a pena do poeta também corre um rio de aflições, pululam estrelas cadentes (sob o céu de São Pedro da Aldeia, por exemplo), serpeiam fantasmas de ontem e hoje: “... Então/ o intenso receio/ do se/ das turbulências”.
A ri
gor, “Penal” não é poesia sisuda, profunda, devastadora, mas um livro sereno escrito com um recorrente nó na garganta, como quem, pelo triunfo da pena, busca respostas derradeiras num labirinto de espelhos. O poeta é réu, por um fio, de sua própria pena, mas escoimado por aquilo que escreve e transpira. Suor e sangue. Sabe bem ele que poesia não é fliperama, que a vida nem sempre é parque. E, por isso mesmo, Daniel Blume faz da pena que dá nome ao livro um afiado punhal.
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