Desconfio dos teóricos. Desses que não conseguem desenhar um argumento de meia dúzia de palavras sem recorrer ao estratagema da citação. Muitos não sobreviveriam sem o advento das aspas, essa venturosa invenção das academias. As universidades estão cheias de teóricos. Boa parte deles, experimentados na arte de construir um texto como quem trabalha em linha de montagem, não faria falta à humanidade.
Aprende-se cedo a ser um reprodutor do argumento alheio. Quase não há saída. Os livros didáticos abusam da citação. A aspa é uma mania nacional. E a pior de todas é a aspa que não se pode enxergar a olho nu. A aspa invisível é um fenômeno relativamente novo, mas bastante utilizada por quem faz pesquisa na Internet e sequer dá-se ao trabalho de mencionar a fonte consultada.
Nas universidades, os trabalhos de conclusão de curso são verdadeiros repositórios de citações. Se não houver um farto cardápio de referências bibliográficas, a monografia é reprovada pelo professor antes mesmo de chegar à banca de avaliação. Aos textos baseados em obras alheias dá-se o nome de trabalho científico, como se ciência fosse o mero exercício de reciclar a idéia de terceiros. Constrói-se, com o pendão das nossas leis de diretrizes e bases, a terceirização do pensamento nos bancos universitários.
Os cursos universitários estão abarrotados de teses, monografias, dissertações, TCC’s et cetera e tal. Um colosso em matéria de produção acadêmica. A maioria dos trabalhos não tem pé nem cabeça, mas está recheada de belas citações de teóricos. As teses alternam-se numa espantosa combinação de ideias para todos os gostos. Há quem junte num só balaio, como que compartilhando o mesmo pensamento, Adam Smith e Gramsci, Walter Benjamim e Pierre Levy.
As citações se sucedem nas teses de pós-graduação. Intermináveis. Há sempre alguém escrevendo alguma dissertação. Nas especializações, mestrados e doutorados. É um longo percurso em busca de autores ou da teoria perfeita. Nem sempre a linha de pensamento do autor está afinada com o eixo do assunto pesquisado. Mas a perseguição à teoria é inevitável.
Existe um velado pacto de cumplicidade entre alunos e professores. O modelo de educação predominante no Brasil estabelece que primeiro o aluno deve buscar um autor. Depois, que ele recorra a uma ideia. Uma ideia original é muito perigosa. A conveniência recomenda: é mais proveitoso partir para o campo do pensamento de alguma corrente teórica exaustivamente esclarecida e badalada. É preciso justificar a ideia original da tese com algo que já tenha sido experimentado por algum autor conhecido.
Nos tempos de faculdade, conheci uma professora que, na escalada entre a graduação e o pós-doutorado, foi induzida a ler mais de duas centenas de teóricos. Hoje, com a jornada quase concluída, a professora vive como quem perdeu a identidade no meio do caminho, intoxicada pelas ideias dos outros. Há título em excesso, mas falta-lhe prumo e ideia própria. Perdeu aos poucos a aptidão pela sala de aula.
Desconfio dos teóricos, reitero. Alguns deles são absolutamente intoleráveis, de nomes esquisitos e ideias cíclicas. Desconfio mais ainda dos reféns da teoria e do texto rebuscado em notas de rodapé. Não sabem eles que, embora a arte da simplicidade seja a mais difícil de todas, dissertar não significa dificultar. Antes de se aventurar ao mar alto dos teóricos, vale muito mais a pena navegar na cabotagem de portos seguros e conhecidos.
Há bons teóricos, filósofos indispensáveis, autores de bons argumentos e que levantam questões intrigantes. Mas não acredito nos copiadores de aspas que se formam a torto e a direito no Brasil.
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