
Montar uma trilha sonora não exige muito esforço. Aliás, não se monta uma trilha sonora. Ela surge. Insuspeitada e anacrônica, às vezes surge anos depois. Você olha pra trás e lá está a canção te martelando o ouvido com a rima colegial. A trilha sonora daquele verão certamente não foi mais intensa que os dias de bossa dessa chuva que molha a areia da praia. No horizonte, mar e pedaços de nuvem se fundem numa balada de amor que não tem fim. A vida embaça pelo retrovisor do carro. É a trilha da estação.
Do romance mais prosaico ficou pelo menos um refrão de carnaval, dessas marchinhas que não se governam e saem por aí atravessando o tempo e a multidão. O refrão sem dono não chega a ameaçar os amores de agora nem os concertos de afeto que embalaram os passos de ontem.
Não se perdem na lembrança os programas de rádio, o vinil emprestado, a coletânea em fita K7, os CDs gravados com a alma impregnada em cada faixa, os trechos de músicas rabiscados na blusa desbotada no final de ano da escola, o baião preferido do meu pai, a luz negra do salão de reggae, os lamentos sertanejos que minha mãe entornava como se fossem canções de ninar e o beijo partido na platéia do show de rock que ainda hoje ressoa.
A trilha da infância vai das orquestras que compensavam certas brutalidades nos filmes de bang-bang às cantigas de padre Zezinho que do alto da torre da igreja enchiam de ternura as manhãs de domingo da cidade pequena. Há trilha para certas coisas e acontecimentos e pessoas e lugares e viagens.
Não me incomodam as músicas de gosto duvidoso, tampouco me assustam os boleros e calipsos que jamais dancei. Se vale a pena saber da Carolina, da cajuína, da ópera de Catirina, não se pode fechar os olhos para o abajur cor-de-carne que te assombra o passado. Há quem faça da vida uma trilha que se completa nas evoluções do Rebolation, por exemplo. E daí?
Existe uma trilha que ainda não foi aberta, sem pecado ou preconceito, regada a candomblé, arrasta-pé ou cabaré. Sem roteiro. Como um rolo de filme, um dia ela vai se revelar.
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