Há poucos meses, na condição de professor convidado, participei da banca examinadora de alguns trabalhos de conclusão do curso de Letras da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Meio sem tempo e já alguns anos fora das salas de aula, acabei topando o gentil convite da professora Maya Felix. E voltei para continuar aprendendo.
Uma das peças apresentadas à época foi a monografia intitulada “A influência da revisão textual na qualidade da produção escrita de trabalhos de conclusão de curso: um estudo de caso na Universidade Estadual do Maranhão”, defendida pela estudante Nataly Pará Santos. Lembro disso agora, no Dia dos Professores, afinal já fui um deles num passado não tão distante assim da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e da então Faculdade São Luís (atual Estácio).
A pesquisa de Nataly partia de um universo aparentemente restrito (o próprio curso de Letras da UEMA), mas desvelava uma questão mais ampla: a fragilidade linguístico-discursiva dos trabalhos acadêmicos, mesmo daqueles agraciados com a nota máxima. Uma contradição que, de tão reiterada, parece ter se naturalizado entre nós.
A autora analisou TCCs aprovados com nota dez, produzidos entre 2021 e 2024 na UEMA, submetendo-os a um crivo quali-quantitativo, pautado por critérios objetivos de correção linguística, como ortografia, pontuação, concordância e regência. O resultado foi ao mesmo tempo perturbador e revelador: 82% dos textos apresentavam erros ignorados pelas bancas avaliadoras, com predominância de deslizes microestruturais, esses pequenos ruídos da língua que, somados, denunciam o enfraquecimento de nossa relação com o texto.
Tais dados sinalizam para um colapso silencioso nos critérios de avaliação acadêmica. Bancas que se pretendem zelosas com a forma e o conteúdo mostram-se, não raro, indulgentes – quando não completamente omissas – diante de falhas que comprometem a própria natureza do discurso científico.
O mérito de Nataly, contudo, vai além da denúncia. A reflexão sobre a ausência da revisão textual nos TCCs desloca o debate para o campo epistemológico da escrita. A revisão, para ela, não é mera depuração gramatical, mas um gesto interpretativo e dialógico, um processo que exige domínio dos gêneros acadêmico-científicos e consciência de que a linguagem é o próprio instrumento de construção do saber.
Ao afirmar que todo texto não revisado é, por definição, inconcluso, Nataly convoca professores, orientadores e discentes a compreenderem a revisão não como apêndice, mas como parte orgânica do processo de escrita, uma etapa de reflexão, de autocrítica e de amadurecimento discursivo.
Outro ponto luminoso de sua pesquisa é a crítica à persistente mitologia da “Atenas Brasileira”, esse sumo fundacional que associa o Maranhão a uma excelência linguística. Em vez de reforçá-lo, Nataly o desarma com contundência: demonstra que, mesmo nos espaços de maior prestígio intelectual, a precariedade textual é regra, não exceção. É uma crítica que atinge em cheio o coração do nosso narcisismo cultural, ao lembrar que a erudição proclamada pouco resiste à leitura atenta de nossos próprios textos.
A autora da monografia oferece caminhos. Propõe a criação de disciplinas específicas de revisão textual, a capacitação de orientadores para uma leitura linguístico-discursiva mais criteriosa e a revisão dos próprios instrumentos de avaliação das bancas. São propostas urgentes, sobretudo se quisermos formar professores e pesquisadores capazes de lidar com a linguagem não apenas como meio, mas como matéria viva do pensamento.
O trabalho de Nataly Pará Santos lança luz sobre uma zona de sombra das universidades brasileiras: a conivência com textos mal escritos, ainda que consagrados com a nota máxima. Essa monografia é um lembrete incômodo, mas necessário, de que a excelência acadêmica não se mede apenas pelo domínio do tema, mas pela precisão da palavra.
Maravilha de texto, maravilha de tema, obrigada por sua contribuição madura e precisa.
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