domingo, 27 de fevereiro de 2022

Celso Borges, Chico Maranhão e uma oração ao tempo imóvel

 

Uma pena que a pandemia ainda persista e nos mantenha ilhados. Mas a saída, como de costume, é pela ponte. Ou pelas pontes, como a que o poeta e jornalista Celso Borges nos acalanta hoje ao publicar o livro Lembranças lenços lances de agora – memórias e sons da cidade na voz de Chico Maranhão, com o selo da editora Palavra Acesa. 

 

Para saber como tem pulsado a ilha nesses últimos cinquenta anos é preciso atravessar essa ponte. E Celso Borges usa como pretexto para a travessia episódios e personagens que ainda gravitam no imaginário cultural maranhense, com as gravações do antológico disco Lances de agora, do cantor e compositor Chico Maranhão, na sacristia da Igreja do Desterro, em 1978.


 

De costura poética envolvente, muitíssimo bem ilustrado com fotografias (algumas delas inéditas) que revelam diferentes facetas de uma cidade antiga e do espírito libertino de seus artistas, o livro tem o mérito de juntar pesquisa minuciosa, fundamentada, com um inapelável desleixo lírico –  sutilmente necessário, para uma obra que tem na roda um dos poetas mais engenhosos da música produzida no Maranhão.

 

Em Lembranças lenços lances de agora, Celso Borges sai por aí inventando outro mapa, revirando terras mal socadas, flanando por fontes e pontes paralelas, no encalço de um Chico Maranhão arredio, desconfiado, até dar no mar, na lenda, no tambor, na arquitetura dos afetos, no descampado da poesia... 

 

Celso Borges mergulhou nesse projeto por conta e risco, apaixonado, mas não como sacristão preocupado em servir um prato feito ao leitor e muito menos ao personagem estudado. Foi fiel tão somente ao seu instinto de poeta, de artista, de alguém no meio dessa usina. 

 

São lenços e lances de agora – as trupiadas políticas, o reggae e algumas contradições de Chico. São também lembranças que remetem a um momento distante, ao selo Discos Marcus Pereira, aos festivais de música, à Gabriela, ao Bandeira de aço, ao Pedra de cantaria, ao Laborarte, à Fonte nova e a outras nuvens. Remetem ainda a nomes como Dona Camélia Viveiros, Maestro Nonato, Antônio Vieira, Ubiratan Sousa, João Pedro Borges, Turíbio Santos, Pixixita, Valdelino Cécio, Nélson Brito, Sérgio Habibe, Chico Saldanha, Zezé Alves, Ronald Pinheiro e a tantos mais.  

 

Se o LP Lances de agora vale uma missa, o que dizer então de um livro que é quase uma celebração ao tempo? Ao tempo imóvel – dos discos, do Chico, do Maranhão, da aldeia mínima. Talvez uma oração ao tempo do próprio autor. E por tudo isso vale a liturgia da leitura. 

 

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