quarta-feira, 19 de novembro de 2014
O samba prêt-à-porter da preta
O samba de Patativa é uma costura de meias palavras embaladas pela simplicidade, uma colcha rara de expressões que exalam ao mesmo tempo provocação, timidez e luxúria. Um desalinho valioso, quase esquecido, cultivado em rodas de amigos nos becos das feiras de uma São Luís igualmente fora da linha, fora do tempo. Um samba pronto pra quem quer levar a alma lavada adiante. Porém um samba guardado.
É desse prêt-à-porter de estoque raro, alcançado em boa hora pela maestria de Luiz Junior e o talento de Zeca Baleiro - e mais um time de músicos bambas -, que surge o primeiro disco de Maria do Socorro Silva, a maranhense Patativa. Aos 76 anos, a dama do verso lascivo já havia entregue à sorte o seu inventário de mais de 200 composições que durante longo período repousaram numa gaveta de penteadeira da velha Madre Deus, o mais boêmio dos bairros da capital maranhense.
Agora, o registro em disco revela ao Brasil uma sambista da boa gema, expoente da melhor batucada, como foram também seus conterrâneos Antônio Vieira, Lopes Bogéa e Cristóvão Alô Brasil. Sem espelho, autêntica, desigual. Patativa entoa na roda, sem pudor, aquele tipo de samba carregado de alegria, embolado no calor das quatro paredes, na saliência venturosa da mulher ainda menina.
Nascida em Pedreiras, a mesma cidade de João do Vale, a transgressora involuntária com galho de arruda pendurado na orelha pede passagem pra mostrar ao mundo que urubu não come folha. O samba de Patativa é desses caprichosos linhos que colorem a cultura popular.
(texto de apresentação do CD)
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