quarta-feira, 8 de maio de 2013
Não queime antes de ler
O roqueiro Lobão resolveu falar novamente. Depois da desvairada autobiografia “50 anos a mil” (leia no redemoinho o texto “Amor sem revolução “- capítulo 6, de março de 2012), ele chega às livrarias agora com o polêmico “Manifesto do Nada na Terra do Nunca” (também pela editora Nova Fronteira) já deixando de cara um cheiro de pólvora no ar. O livro, lançado na última segunda-feira, é incendiário da primeira à última página a ponto de desencadear nas redes sociais, no início da semana, uma série de reações que se perdem – ou se acham - no precipício partidário. Lobão mira a classe política para atirar no governo petista e dispara sua bílis contra intelectuais de esquerda, a MPB, o rock, os sertanejos universitários, o nacionalismo exacerbado forjado na Semana de 22, o Cinema Novo e tantos outros símbolos imaculados pela indústria cultural brasileira.
Lobão resolveu falar do universo ao redor das artes e da política como quem volta de uma badtrip, como quem desperta de um sono profundo. Fala diretamente do Brasil rasteiro, da dicotomia “país rico, país sem pobreza”, das idiossincrasias diurnas e noturnas da Comissão da Verdade, do messianismo político inaugurado no governo Lula e franqueado na era Dilma. Em 248 páginas, Lobão aponta o dedo na ferida com uma opinião ora formada, ora deformada.
Mas o que me chamou a atenção foi o apressado levante criado na internet para descontruir as bravatas de Lobão. Corri para entendê-las fazendo o básico, ou seja, lendo o livro, antes de cair nessa casca de banana de curtidas e compartilhadas atiradas a esmo. A dissidência, homiziada naquilo que ela chama de pragmatismo político, reduziu o “Manifesto do Nada na Terra do Nunca” a pó e classificou Lobão de reacionário, de direita, um rebelde sem causa fora de época a serviço da lógica tucana.
Falastrão incorrigível, Lobão teve/tem uma vida tumultuada e cheia de perturbações de ordem criativa, jurídica e política, mas navegou contra corrente e sempre procurou fugir das bajulações de gabinete. Comete imprecisões e injustiças, mas diz coisas no livro que poucos têm peito de sustentar ou defender. Dilacera sem piedade certos mitos alimentados à luz da conveniência política. Qual um menino birrento, como estão dizendo os seus detratores de agora, Lobão se recusa a pensar como a manada.
Nos surtos de excesso e exagero de Lobão, nada é verossímil na formação cultural brasileira. “Se a Semana de 22 era boa para a Tropicália e para a ditadura militar, deveria haver algo de errado... comigo!”. De acordo com o roqueiro, o tropicalismo de Caetano e Gil nada mais era do que um movimento decalcado da Semana de Arte Moderna, evento que disseminou ao longo dos anos o nacionalismo do “Brasil Caraíba” presente até hoje na música e na literatura.
Para Lobão, Gonzaguinha não ia além de “músicas politicamente engajadas” e “sambões maníaco-depressivos”. Ele mesmo, Lobão, que afirma detestar canções com engajamento político-social típico da MPB “libertária”, admite no livro que cometeu algumas músicas de protesto, como “Revanche”, “O eleito”, “Quem quer votar”, “Panamericana” e “Presidente mauricinho”.
“Manifesto do Nada na Terra do Nunca” não é um libelo à amargura, um tributo à sofreguidão. O autor relaciona 58 livros nas suas referências bibliográficas, embora isso não queira dizer muita coisa. E entre uma crítica e outra, há um Lobão sereno capaz de tecer elogios a vários nomes da MPB e a sertanejos como Sérgio Reis, Pena Branca e Xavantinho. Relembra que fez campanha para o PT desde 1989 e que animou comícios do partido em 2002 e 2004. “Comecei a atuar através de alguma forma de manifestação política em pleno governo Sarney, meu primeiro alvo”, relata no capítulo em que se assume como “uma besta quadrada”.
Há no meio da chuva ácida de Lobão um vendaval de escrachos que provocam boas gargalhadas, como no episódio em que declarou de supetão, ao retornar de uma viagem, que votaria na eleição presidencial de 1989 para o candidato Roberto Freire, achando, pelo nome, tratar-se do somaterapeuta autor de “Sem tesão não há solução”. Em 1992 cantou ao lado do Olodum, em comício no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, ocasião em que se sentiu “virado numa entidade baiânica”. Irônico, Lobão conta que quando há uma exposição sobre delinquência, drogas e mau comportamento em emissoras de TV evangélicas, os pastores sempre citam os nomes dele e de Rita Lee como exemplos a não serem seguidos.
Mesmo que você não goste de bravatas ou concorde com as posições e contraposições de Lobão, desconfie dessa campanha “queime antes de ler” e se aventure na leitura, sem receio. A campanha é estranha, estrábica. O livro retrata o som e a eterna fúria juvenil do autor de “Abalado”. Dizer que Lobão não fez mais nada de novo na música, dos anos 1990 pra cá, não é pretexto para atear o livro na fogueira da Inquisição. E quem fez algo realmente novo nos últimos anos? Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil? Ou novo mesmo foi o som de Zezé de Camargo e Luciano nas tertúlias palacianas? Leia primeiro. Depois decida como usar a pólvora do próprio livro.
Rio, 8/5/2013.
Uivos do Lobão
“... Playboys, agrobregas a desfilar pelos rodeios,
arraias e micaretas, caçando a língua das periguetes de abadá”
“... Com a santa ignorância dos que defendem, cegos, suas teses
acobertando num silêncio um tanto cínico, aloprados e bandidos
de um governo cheio de reveses,
catequizando suas verdades imutáveis e eternas,
a patrulhar, ameaçar, comprar, reprimir (quando não, simonalizar)...”
“Fascismo não é monopólio da direita nem da esquerda.
Fascismo é imposição inflexível e truculenta de verdades sacralizadas,
geralmente por bem-intencionados perpetradas.
Estou farto de bem-intencionados. Além de nocivos, são cafonas”
“Eu sou o lobo do homem, uivando pra Lua,
sozinho, vencido.
Vencido, como se soubesse a verdade, mas livre.
Absolutamente livre”
“Não basta apenas esperar por leite e mel,
às vezes, pra ser bom, é preciso ser cruel”
“E lá vamos nós, descendo a ladeira!
Amantes de uma boa trapaça...
Com nossa displicência carnavalesca espetacular
E os repetecos anuais dos feriados enforcados de destruição em massa”
“Às vezes é mais exato ser impreciso, contradito”
“O intelectual de esquerda (...) é sempre deprimido, paranoico, ressentido, vitimizado por complôs cósmicos, sempre pronto para eliminar suas contradições na base do grito”
“O PT nunca me cativou de verdade, detestava padre da Teologia da Libertação, não suportava aquela aura chicobuárquica, mas àquela altura do campeonato acreditava que um partido com gente diferente, que primava por ser honesto, deveria ter a sua chance de governar o país (...)”
“A bundamolice comportamental, a flacidez filosófica e a mediocridade nacionalista se espraiam hegemônicas. Todo mundo por aqui almeja ser funcionário público, militante de partido, intelectual subvencionado pelo governo ou celebridade de televisão (...)”
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