terça-feira, 17 de abril de 2012
Nós na Varanda, no embalo da rede
Varanda remete a uma casa no campo, arejada, samambaias escorrendo pelos frechais, cadeiras de balanço, redes estendidas nas escápulas, uma vovozinha sentada fazendo tricô enquanto o forno a lenha doura o tempo e a vida. A varanda é assim, com a insustentável leveza na melodia de pássaros e árvores. Mas um dia o músico Celson Mendes decidiu reinventá-la. E já se vão dez anos. O conceito é quase o mesmo, a mesma essência e o mesmo enredo: cadeiras postas, o tricô das boas conversas, microondas de desejo na mesa, o prelúdio de chegada e a música em variados tons e formas.
No princípio eram músicos reunidos no bar, no lar, na calçada, numa jam session particular. Depois o projeto ganhou a forma de Varanda itinerante, uma vez por mês na casa de uma boa alma viva, lista seleta de convidados, ingredientes compartilhados. Nos últimos quatro anos, o projeto idealizado por Celson Mendes passou a levar a assinatura do casal Celijon Ramos e Fafá Lago na produção e conta com o auxílio luxuoso de uma legião de artistas e fiéis seguidores.
A Varanda não é seita, mas a música ali é quase uma religião. Não há vovozinha ou lobo mau. Só cantos de fadas e divas. A casa de campo é uma questão de estado de espírito do anfitrião do dia. Pode ser uma cadeira ou uma mesa de balanço, de boas batidas, à escolha do DJ. A rigor, Pedro Sobrinho é escalado para dar as boas vindas. Ele faz o rito de passagem com suas fusões de sonoridade e arrepios de sensibilidade. De São Luís para o mundo, sem bilhete de embarque, dicas de segurança, caça-palavras ou revistas de bordo.
O projeto Varanda é como se fosse uma brincadeira de domingo, uma ciranda de bons músicos e vozes refinadas, com direito a jogral, recital, trovas e leitura de páginas amarelinhas. Cada um entra na Varanda com alguma coisa, naquela descoberta prazerosa de carregar o piano. E sai muito mais rico. De informação, de descoberta. É a regra básica de convivência. Sem estatuto, bandeira ou sindicato, a Varanda faz história por onde passa.
É a nossa festa na laje, o fino da bossa, o jazz de viés, o blues abolerado e sem pressa, o baião de veludo, a música sem fronteira, tribal, primeira, a canção pra viver mais, derradeira. A Varanda é como um ritual. A música vai acontecendo e, à medida que os convidados chegam, a atmosfera vai se desenhando feito aquarela. Há apreciadores de carteirinha, protagonistas, sócios fundadores, noviços, frequentadores bissextos e anfitriões. Tudo se confunde quando a tarde invade a noite.
A cada edição da Varanda há um ilustre homenageado. Augusto Pellegrini, Milla Camões, Léo Capiba, Célia Maria, Anna Cláudia, Victor Castro, Salomão de Pádua, Djalma Chaves, Nosly, Tutuca, Cecília Leite, Marcelo Bianchinni, Flávia Bittencourt, Betto Pereira, Jaime Santos e Sérgio Habibe são alguns dos nomes que passam pelo palco dos endereços revelados à boca pequena, acompanhados de músicos como o próprio Celson Mendes, Júlio Marins, Jarbas Lima, Jeff Soares, Daniel Martins e muitos outros.
E uma varanda não seria uma varanda sem uma rede. É pela rede social que o projeto se materializa. Quem passa pela Varanda, passa antes pelo facebook ou twitter. Sem isso, nada feito. Não é festa pra muvuca, mas um sarau de amigos que se multiplica ou se recicla ao sabor do humor dos convidados. O endereço é cuidadosamente revelado em mensagem in box. As fotos de cada edição são compartilhadas também pela rede social. E toda rede tem varanda – em verdade, duas varandas.
A Varanda não é definitivamente uma festa pra VIP, no sentido mais maranhense do termo ou da sigla. Mas uma comunhão de estilos, uma celebração da música como antiproduto. Sem sobrenome na porta. Entra quem conhece o caminho. Esse é o privilégio.
(Texto publicado no jornal O Imparcial, coluna do Alex Palhano, no dia 15.04.2012)
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O que seria da Varanda sem anfitriões como vc, meu querido Félix Alberto? É varanda porque é ampla de amor, beleza, amizade... Crônicas como esta são sua mais legítima expressão literária.
ResponderExcluirAbraço!
Jarbas
Jarbas, vc é um lorde, além de um super músico, alma dessas e de outras varandas que deixamos pelo Campus. Um grande abraço.
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