As cartas não mentem. Jamais. O mantra cai como uma luva no livro recém-publicado da jornalista e escritora Maristela Sena dos Santos. Jogo de cartas entre Hannah Arendt e Mary McCarthy – impressões de duas mulheres sobre o próprio tempo é uma obra que esmiúça, com privilegiada astúcia, acontecimentos que marcaram o século XX.
Pelas correspondências trocadas entre a filósofa Hannah e a escritora Mary, Maristela nos ajuda a pisar nesse território recente da história povoado por ideias, obras, movimentos sociais, conflitos étnicos, tragédias coletivas, relatos de viagens, política etc.
Observatório valioso da história contemporânea, que ajuda a compreender a realidade de agora, o livro está dividido em três partes: o gênero epistolar, a escrita de se fazer conhecer; cartas para o futuro; e papel de carta, mensagens de Hannah e Mary em forma de verbetes. Este último, meio manual, meio almanaque.
A obra, resultado da dissertação de mestrado de Maristela no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Maranhão, traz a lume temas como nazismo e holocausto, feminismo, racismo, política internacional, populismo e muito mais.
As cartas trocadas entre Hannah e Mary, de acordo com o prefácio de Henrique Borralho, são como testemunhos para além das escrituras, “registros de um tempo” com “visões de mundo subjetivas” que ajudam a nos colocar em posição de alerta em meio ao obscurantismo que corrompe a inteligência humana.
O Jogo de cartas de Maristela Sena nos faz enxergar a complexidade da degradação do homem, e talvez um tanto das origens do comportamento de alguns em tempos tão sombrios. As cartas não mentem. Pelo contrário, sugerem informações fundamentais que ajudam a decifrar, por exemplo, fatos ou situações bizarras dos tempos atuais.
Nenhum idiota propõe a criação de um partido nazista no Brasil, assim do acaso. Não! Esse antissemitismo moderno, como assinala Hannah Arendt, advém em grande parte do ambiente de torpor da sociedade. É daí que nascem a tensão permanente e o ódio à cultura, aos índios, aos pobres, aos negros, aos homossexuais...
O livro de Maristela Sena, mais do que oportuno, é necessário. Traça, de forma objetiva, a importância da literatura para o ensino de História, “como instrumento facilitador do processo de aprendizagem”. Diferentemente das escolhas acadêmicas caretas, às vezes enfadonhas, a obra tem passagens de uma leveza sedutora, a exemplo das cartas de duas mulheres ativistas do Maranhão, Silvane Magali e Diane Pereira, para Hannah e Mary. “Eu saí de um portal em pequena cidade do interior do Maranhão para criar outro portal, só que dessa vez ele não possui parede, o portal sou eu. E nesse momento eu me transporto para dentro do que você [Mary] escreve, eu me conecto, eu te agradeço e me reinvento”, diz um dos trechos da correspondência de Diane.
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