terça-feira, 28 de maio de 2013

Sem botão, no tempo, no topo, no chão (parte 3)


Papete na foto da contracapa do LP "Bandeira de Aço"

Em boa hora, o projeto BR 135, capitaneado por Alê Muniz e Luciana Simões, presta uma merecida homenagem aos 35 anos do lendário LP “Bandeira de Aço”, uma coletânea de músicas de compositores maranhenses gravada por Papete em 1978. Em show marcado para hoje no Teatro Arthur Azevedo, o BR 135 faz uma releitura do repertório e do arranjo do disco, com interpretações de Bruno Batista, Madian, Flávia Bittencourt, Dicy e Afrôs, além da dupla Criolina. O show é também uma celebração a Papete e aos autores das nove faixas do LP.

“Bandeira de Aço” foi um desses ventos buliçosos soprados na música popular brasileira na década de 1970 com o surgimento do selo independente Discos Marcus Pereira. São nove músicas no disco: “Boi da Lua”, “Flor do mal” e “Bandeira de Aço”, de César Teixeira; “Catirina”, “Dente de ouro”, “Engenho de flores” e “De Cajari pra Capital”, de Josias Sobrinho; “Boi de Catirina”, de Ronaldo Mota; e “Eulália”, de Sérgio Habibe. Gravado no estúdio Sonima, em São Paulo, com a participação dos músicos Carlão (viola de 12 cordas), Otacílio (contrabaixo), Sérgio Mineiro e Márcio Werneck (flauta), o disco fora produzido pelo próprio Papete (violão, percussão, voz e arranjo).

Criado extraoficialmente em 1967 pelo publicitário Marcus Pereira, o selo foi um divisor de águas na divulgação da música brasileira de qualidade, estranha ao circuito comercial das grandes gravadoras. Foram mais de 140 álbuns lançados em quase 15 anos de pesquisa e identificação de autores e gêneros inéditos ou relegados ao esquecimento, entre eles Paulo Vanzolini, Banda de Pífanos de Caruaru, Quinteto Violado, Renato Teixeira, Nara Leão, Clementina de Jesus e Dona Ivone Lara. Foi pelo selo Marcus Pereira que Cartola gravou o seu primeiro disco, aos 66 anos.

Três anos antes de “Bandeira de Aço”, Papete já havia lançado pela Marcus Pereira o LP “Berimbau e percussão”, com oito faixas de autoria do próprio Papete, Théo de Barros e Manoel Onça. “Quando começamos a discutir o seu segundo disco [“Bandeira de Aço”], logo ficou claro que o melhor caminho seria mostrar ao Brasil aquela enorme riqueza escondida de São Luís do Maranhão. Ela aqui está, revelada pelo talento ímpar de Papete”, escreveu Marcus Pereira na contracapa do LP.

Na apresentação de “Bandeira de Aço”, Marcus Pereira conta que, numa viagem a São Luís para aproveitar as festas do final do ano de 1976, fora convidado por compositores locais para uma “reunião boêmia” no bairro da Madre Deus. E confessa que assistiu, perplexo, ao desfile de “composições surpreendentes” de Carlos César (o César Teixeira), Josias, Ronaldo e Sérgio Habibe. Outro maranhense, porém, já era velho conhecido de Marcus Pereira. Naquele mesmo ano de 1978 Chico Maranhão lançara também pelo selo Marcus Pereira o LP “Lances de agora”, com “Pastorinha”, “Ponto de fuga”, “Velho amigo poeta”, “Ponta d’Areia”, entre outras pérolas. No LP também estava a faixa “Cirano”, que já havia sido gravada em outro disco do selo Marcos Pereira, de Chico Maranhão e Renato Teixeira, de 1969. Sobre “Lances de agora”, Marcus Pereira fora categórico: “Merece um seminário para debate e penitência”.

Em meio aos problemas pessoais e de ordem profissional, Marcus Pereira acabou se suicidando em 1981. A Discos Marcus Pereira foi absorvida pela Copacabana Discos, que também fechou as portas na década de 1980. Todo o acervo da Marcus Pereira então foi comprado pela EMI e atualmente está sob a posse da Microservice, incluindo os discos de Papete e Chico Maranhão.

Em depoimento ao jornal “O Estado do Maranhão” de 1985, reproduzido no livro “Almanaque Guarnicê” (Clara Editora e Edições Guarnicê, 2003), Papete conta que o projeto, em 1978, era fazer mais um disco autoral de percussão. “Mas mudei de ideia para registrar o trabalho desse pessoal”.

Alguns anos depois de lançado, e contrariando os preceitos da jornada quase espartana de Marcus Pereira, “Bandeira de aço” gerou uma crise entre intérprete e compositores. O pomo da discórdia: a participação dos autores na venda do disco. Papete tomou conhecimento pelos jornais de que Josias Sobrinho e César Teixeira cobravam dele e do espólio de Marcus Pereira direitos autorais sobre as músicas do LP.

- Foi um disco que não vendeu nada. Ele pode ter tocado muito aqui (no Maranhão), mas se vendeu cinco mil cópias isso não representa nada. A Marcus Pereira, antes de ser uma gravadora, era uma fundação. Ela não tinha fins lucrativos, nunca gravou discos para vender, para ter lucro. Ela sempre gravou com o intuito de valorizar a cultura popular. Eles não entenderam isso. Acharam que deveriam receber grana pelo disco e não aceitaram as minhas explicações – disse Papete ao Guarnicê.

Ante o ziguezague que encobriu o acervo do selo Marcus Pereira, as diferenças entre Papete e os compositores se dissiparam com o tempo. O LP “Bandeira de Aço” é reconhecido como uma das melhores e mais importantes produções de música regional do Brasil e faz um recorte inteligente e original da cultura popular maranhense da segunda metade do século 20. O disco, depois lançado em CD pela EMI com tiragem limitada, faz parte da história. “Este disco é uma surpresa. Como certamente serão os que forem gravados com compositores fiéis aos valores das regiões em que vivem”, declarou Marcus Pereira, que tinha Papete na conta de um “irmão, afilhado e amigo”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário