Lembra
do Carlinhos? A última década do milênio passado tem um pouco da história do
Carlinhos. Foi nos anos 90, na escalada de maturação da Constituição de 1988,
que se começou a falar com mais entusiasmo de cidadania e meio ambiente, dos direitos
da criança, do adolescente e do consumidor e do respeito aos idosos. Do
respeito a muitos Carlinhos.
Em
1997 apareceu Carlinhos na tela da TV girando num carrossel do parque de
diversões. A televisão rodava junto com Carlinhos e o Brasil não era mais o
mesmo. O mundo não era o mesmo. Porque tudo acontecia ao mesmo tempo e em quase
toda parte. Carlinhos era a aldeia em movimento, em ebulição. O que poderia ser
apenas mais uma propaganda bem feita para uma instituição cheia de boas intenções
acabou se transformando no ícone de uma geração meio sem rumo, assombrada com a
profusão de mudanças sociais e tecnológicas.
Carlinhos
não falava nada no comercial da TV. Nem precisava. Apenas girava galopando em
seu cavalo prateado enquanto a música “Fake plastic trees”, de uma quase
desconhecida banda britânica Radiohead, nos deixava atônitos no sofá da sala
fitando o rodopio do garoto que de tão vivo parecia tão feliz. E ali ele era a
felicidade.
As
legendas falavam lentamente no compasso da música do Radiohead. Espetavam a
alma num jogo duvidoso. O comercial falava de um Carlinhos e mostrava dois
garotos no carrossel. Os dois nas mesmas cenas em preto e branco enquanto o
letreiro advertia: “Carlinhos vai à escola todos os dias. O amigo dele, não”. Um
dos meninos em cena era portador da Síndrome de Down; o outro, não. A
propaganda se propunha basicamente a pregar o respeito aos portadores de Down,
sem panfleto ou proselitismo oficial. Diferentemente dos comerciais de sabonete
ou sabão em pó, a mensagem fazia o público pensar. Era provocadora.
A
legenda continuava: “Carlinhos faz natação todos os dias. O amigo dele, não”. Ninguém
sabia qual dos dois era o Carlinhos, apesar das suspeitas do senso comum.
“Carlinhos tem aulas de piano. O amigo dele, não”. E vinha a revelação,
enquanto a câmera fechava no garoto com Síndrome de Down: “Ei, este é o
Carlinhos”. Em seguida a câmera enquadrava o outro garoto com a seguinte
legenda: “E este é o amigo dele. Ele é um menino de rua”. O comercial chegava
ao fim com o letreiro: “Milhares de crianças no Brasil precisam de sua ajuda.
Os portadores da Síndrome de Down só precisam do seu respeito”. E o arremate:
“Down, a pior síndrome é a do preconceito”.
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